Ano Nobo

Por GN em

Ano Nobo, em sua casa em São Domingos, 1998. Foto: Gláucia Nogueira

Fulgêncio da Circuncisão Lopes Tavares

São Domingos, Santiago, 1933 – São Domingos, Santiago, 2004

Compositor, instrumentista (cordas)

Nascido a 1 de janeiro – dia de São Fulgêncio –, vêm daí o seu nome de batismo e a alcunha por que ficou conhecido. Compositor dos mais prolíferos de Cabo Verde, deixou mais de 400 músicas, pelos seus cálculos, o que não é de admirar, dado que começou a compor muito jovem. Executante de instrumentos de corda, toda uma geração de músicos passou pelas suas mãos, como os seus próprios filhos, Dick d’Ano Nobo e Africano.

Em 1956, Ano Nobo fundou o grupo Bonjardim. A tradição musical vem da família – o avô, Pipi (Valentim Lopes Tavares), e o pai, Henrique de Pipi (Henrique Lopes Tavares), foram regentes da Banda Municipal da Praia. Ano Nobo tinha 2 anos quando o pai morreu, mas este deixou vários instrumentos, entre os quais um violão em que a mãe tocava, e no qual o menino talentoso começou o seu aprendizado nas cordas (antes já tocava gaita de boca e acordeão). Depois veio o violino, o bandolim, a viola de dez cordas, o cavaquinho… Ainda adolescente, estudou com Jotamonte, que sucedera a seu pai como regente da banda e a quem acompanhava, nos bailes, ao cavaquinho. Mais tarde terá aulas de solfejo e escrita musical com padres portugueses da paróquia de São Domingos, para onde regressa por volta dos 20 anos.

“São Domingos é um dos berços da música de Santiago, há muito bons tocadores e em quantidade razoável. Tudo graças ao Ano Nobo, pois todos esses jovens giram em torno dele.”

Manuel d’Candinho, em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens
Ano Nobo, 1986. Foto: Marzio Marzot

Os estudos ficaram pela escola primária. “Era para ir fazer seminário em Lisboa, mas isso foi na época da crise, da fome (fim da década de 1940), não pude sair”. Desde então, viveu sempre na propriedade que herdou por via materna, em Lém-Pereira, onde deixava que as pessoas plantassem e construíssem, sem nada cobrar por isso. Menino criado na cidade, nunca teve o perfil de agricultor e, assim, para além de um período em que foi professor primário, dedicou-se ao funcionalismo público, tendo-se reformado em 1991, pelo Ministério das Obras Públicas.

A sua produção musical, para além de mornas, koladeras, mazurcas e temas de batuku, inclui alguns temas litúrgicos, um dos quais – “São Domingos” – foi interpretado por ocasião da posse do primeiro presidente da República de Cabo Verde, Aristides Pereira, em 1975. Em 1990, este e outro hino de sua autoria, “Jovens cabo-verdianos”, fizeram parte das cerimónias da visita ao país do papa João Paulo II. É também da sua autoria “Amor e esperança”, tema que a pequena Titita, vencedora estrangeira da VI Gala Internacional dos Pequenos Cantores, na Figueira da Foz, Portugal, gravou no disco Tempo di minino. Outro tema de Ano Nobo que aparece num disco infantil é “Crianças flores de revolução”, interpretado por Rita Lobo no LP Cabo Verde das Crianças, editado pela OPAD-CV e que nunca chegou a ser comercializado (em 2010, a Fundação Infância Feliz editou o disco em CD, mas com distribuição não comercial).

Selo dos Correios de Cabo Verde homenageia Ano Nobo

Ano Nobo escreveu também, em crioulo, poemas e 12 peças de teatro. Parte destes textos foram publicados na revista Fragmentos. Entre as suas obras na área da dramaturgia contam-se Fiticera di língua, Egoísta, Mufino cu maroto e o Julgamento de Totó Montero (Totó ku Tota) – esta última peça foi vencedora, em 1998, do prémio Teatro Vivo, instituído pela Associação dos Escritores Cabo-verdianos e pelo Centro Cultural Francês. Em 1999, foi condecorado pela sua obra, pelo então presidente da República António Mascarenhas Monteiro, com o primeiro grau da Medalha do Vulcão de mérito cultural.

A sua única gravação editada comercialmente é uma faixa no CD duplo Cap-Vert un archipel de musiques (Ocora Radio France), obra de recolha de música tradicional. Isso depois de, ao longo de décadas, as suas composições terem sido gravadas por inúmeros intérpretes, muitas vezes em nome de outros ou no máximo com a referência “popular” ou “direitos reservados”. Ano Nobo nunca teve oportunidade de registá-las numa sociedade de direitos de autor, o que quer dizer que nunca recebeu nada por elas.

Problemas ligados à autoria, mesmo quando não a sua, repetiram-se em 2002, quando autores de dois trabalhos sobre a sua obra, a serem publicados praticamente ao mesmo tempo, entraram em litígio com acusações mútuas através da imprensa cabo-verdiana (A Semana, 08.02.2002). Três anos após o seu falecimento, é lançado por Firmino Cachada (sacerdote católico que com ele conviveu em São Domingos), uma obra em sua homenagem, Cabo Verde terra di meu, com letras e partituras de algumas das suas composições, dados biográficos e depoimentos de pessoas que conheceram o compositor. Uma fundação com o seu nome foi também criada em São Domingos, a FANOBO. 

Composições

Gravação a solo

Ó Linda – CD “Sotavento” de Cap-Vert un archipel de musiques, 1999.

Textos para teatro

Revista Fragmentos, nº 5/6

Para saber mais

Cabo Verde terra di meu, de Firmino Cachada, Fundação Ano Nobo, São Domingos, 2006.


Ver e ouvir

error: Content is protected !!