Koladera

Por GN em

“…tão vivo e excitante

o seu ritmo que a nossa

participação é toda física.” 

Manuel Ferreira, em A Aventura Crioula

A koladera, ou coladeira, é uma das expressões musicais cabo-verdianas mais apreciadas nos espaços de dança em Cabo Verde ou nas comunidades emigradas, rivalizando com géneros também bastante apreciados para dançar e de grande popularidade, como o funaná e o zouk. Com este último, aliás, misturou-se em criações a partir dos anos 1980, resultando no chamado kolazouk. Foi ao som de algumas koladeras que Cesária Évora empolgou plateias pelo mundo fora, encerrando os seus concertos com todo o público a dançar. Tem compasso dois por quatro, mas o seu andamento pode variar.

A koladera é uma das expressões musicais mais praticadas em Cabo Verde, em diferentes situações, e das mais compostas e gravadas. Por vezes, recebe o rótulo de “contradança”, pois frequentemente é ao som de uma koladera que a coreografia da contradança se realiza. Aparece tanto no repertório dos bailes de rabeca como nas playlists dos DJ que comandam as pistas de dança de discotecas.   

Contudo, o espaço da koladera no cenário musical cabo-verdiano está ainda por reconhecer, uma vez que não foi produzido até hoje um trabalho específico sobre este tema. Mornas e Coladeiras de Cabo Verde: versões musicais de uma nação, tese de Juliana Braz Dias (2004), aborda o binómio morna-koladera. Os dois géneros aparecem como indissociáveis, mas a koladera é vista um complemento da morna nos momentos de fruição.

História

Não se sabe ao certo a partir de que momento, entre as décadas de 30 e 50 do século XX, a koladera começou a existir. Segundo algumas versões, nos antigos bailes ao som de grupos de “pau e corda” (violão, viola, cavaquinho, violino), a dado momento da noite a sonoridade melancólica da morna acabava por soar monótona. Então, alguém pedia aos músicos que tocassem “no contratempo”. Assim, com a mudança de compasso, do quaternário para o binário, os pares começavam a dançar mais rápido, reavivando a chama da festa e envolvendo a sala numa onda de animação. Por volta dos anos 1940, usava-se a designação “morna-coladeira”.

Alguns músicos antigos relacionam a koladera com o maxixe, proveniente do Brasil por meio dos tripulantes de navios que passam por Cabo Verde e, mais tarde, pelas emissões das rádios de ondas curtas. Outras versões relacionam-na com a polca. Para Desiré Bonnaffoux, na sua obra inedita Música Popular Antiga de Cabo Verde (1978), a koladera é o galope que ressurge “com um desenho musical mais trabalhado, depois de um período de esquecimento”. Situando o surgimento da koladera entre a década de 1930 e 1950, tal período coincide, efetivamente, com o obscurecimento das antigas músicas europeias face a novas modas musicais, daí poder-se pensar no ressurgimento do galope, já “cabo-verdianizado” e com outro nome. Quando a koladera ainda nem existia como música de salão, dançada por pares enlaçados, o compasso dois por quatro estava tanto na polca como no galope e no maxixe.  

Os géneros cabo-verdianos “fazem parte das complexas reiterações musicais do Atlântico Negro que vieram a dar no tango argentino e brasileiro, bem como no maxixe, foxtrote, beguine e muitas outras formas populares cujas origens remontam a anteriores trocas culturais atlânticas”, afirma a musicóloga Susan Hurley-Glowa, defendendo que as origens da morna, da koladera e do funaná “estão ligadas às tradições da dança atlântica do século XIX e do início do século XX e aos estilos de salão, especialmente aqueles associados à América do Sul e ao Caribe” (“Cape Verdeans in the Atlantic: the formation of kriolu music and dance styles on ship and in port”, 2015 – Ver Bibliografia).  

Trecho de série documental de Francisco Manso sobre a música cabo-verdiana

É a partir dos anos 1950 que a koladera irá firmar-se, inicialmente na ilha de São Vicente, onde surgiram os seus principais compositores. Logo expande-se para todo o arquipélago e, na década de 1960, é a música do momento, gravada em vários álbuns do grupo Voz de Cabo Verde e de Bana, entre outros. Mas já no final da década de 1950, quando se realizaram as gravações que resultaram na série Mornas de Cabo Verde, editada pela Casa do Leão, as koladeras estavam presentes, apesar de não mencionadas no nome da série de discos EP.

Os ritmos latino-americanos em voga nos anos 1950 e 1960, como a cumbia e o merengue, terão influenciado a coladeira, assim como o samba – já que a música brasileira, nas suas diferentes modalidades, foi sempre uma presença forte em Cabo Verde.

Atualidade

Várias descrições da koladera apontam as suas características opostas às da morna: enquanto esta é lenta, suave, cheia de romantismo e melancolia, a koladera é rápida, saltitante, com letras baseadas na sátira social, com um certo atrevimento que muitas vezes chega ao escárnio. Textos moralizantes e que criticavam o comportamento das mulheres foram vistos como um padrão para as letras das koladeras. Se isto se aplica às composições da década de 1960, de autores como Ti Goy, Frank Cavaquinho e Manuel d’ Novas, com o passar do tempo isso deixou de ser uma característica da koladera, já que autores mais recentes, como Tito Paris, Toy Vieira, Ramiro Mendes; Kalu Monteiro, Djim Job e outros, não enveredam por essa via. E também surgiram compositoras: Teté Alhinho, por exemplo.

Personagens relacionados com a koladera

Compositores: Ti Goy, Frank Cavaquinho, Manuel d’ Novas, Jorge Pedro Barbosa, Pedro Rodrigues, Toy Vieira, Tito Paris, Nhelas Spencer, Ramiro Mendes, Kalu Monteiro, Djim Job, Jorge Humberto

Intérpretes: Cesária Évora, Fantcha, Titina, Ildo Lobo, Os Tubarões, Maria Alice, Maria de Barros, Lura, Lucibela, Assol Garcia, Cremilda Medina…

Ver e ouvir

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