Educadores cabo-verdianos na área musical

Por GN em

Por Gláucia Nogueira

Embora a música cabo-verdiana seja produzida em grande parte por músicos completamente autodidatas ou cuja aprendizagem baseou-se na informalidade das tocatinas, em casa ou entre amigos, tendo como mestres ou modelos pais, tios, irmãos ou amigos, não é verdade – como por vezes se diz – que o ensino de música é algo recente em Cabo Verde.

Os arquivos referentes ao século XIX mostram que nessa época vários professores de música propunham os seus serviços, através de anúncios na imprensa (em geral no Boletim Oficial, na ausência de outras publicações). Entre outras disciplinas, a música fazia parte da educação dos jovens da classe abastada, que podia pagar pelas aulas.

Por outro lado, a Igreja Católica foi também um espaço de ensino musical, e referências da época mostram o papel do Seminário-Liceu de São Nicolau nesse domínio. Num anúncio, entre outros de finais do século XIX, lê-se que além da aulas de “canto e ritos, obrigatória para os alunos que vão seguir a carreira eclesiástica, haverá uma aula de música nos mesmos dias, a hora diferente, facultativa para os alunos, tanto internos como externos, mediante a propina de 3$000 reis”. (Boletim Oficial, 19.08.1899).

O poeta José Lopes (1872-1962), nascido em São Nicolau e um dos vários alunos do seminário-liceu que se tornaram figuras de destaque nas letras cabo-verdianas, terá provavelmente aprendido música nessas aulas. Já octogenário, recorda um momento familiar da sua juventude que certamente resultou do ensino musical no liceu.

“Em certas noites eu e meus dois irmãos mais velhos, João e Eduardo, aquele ao violino e este à flauta, dávamos concertos em nossa casa paterna em a Vila da Ribeira Brava. Eu acompanhava-os ora ao piano, ora ao órgão. Saudosas tertúlias, cujos ecos ainda gemem nos corações e nos ouvidos de muita gente daquele ditoso tempo antigo (…)”

José Lopes em “A palavra morna’”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (fevereiro de 1954).

Mas já bem antes disso refira-as a célebre frase do padre António Vieira, quando elogiou os clérigos que encontrara na Ribeira Grande, numa passagem por Cabo Verde durante uma viagem entre Portugal e o Brasil.

“(…) clérigos e cónegos tão negros como azeviche; mas tão compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e bem morigerados, que podem fazer invejas aos que lá vemos nas nossas Catedrais.”

Padre António Vieira, em “Carta ao Padre André Fernandes”, datada de 25 de dezembro de 1652. Portugal em África: Revista de Cultura Missionária, 1946

As bandas de música, municipais ou das corporações militares, policiais ou de bombeiros sempre foram também escolas, já que era com os seus regentes que os músicos principiantes se iniciavam no solfejo e na prática do instrumento.

Num relatório da década de 1880 assinado pelo administrador do concelho de São Vicente, Joaquim Vieira Botelho da Costa, este refere que o regente da banda existente nos primeiros anos dessa década no Mindelo era subsidiado pelo cofre da câmara municipal e tinha a obrigação de ensinar (Boletim Oficial, separata, 22.12.1883).

E até hoje é assim, os regentes além de reger também acabam por ser professores de música, como se pode constatar nas páginas das bandas: Banda Municipal de São Vicente, Banda Municipal da Praia, Banda Municipal do Sal, Banda Municipal de São Domingos, Banda das Forças Armadas.

Atualidade

Em tempos mais recentes, o acesso a cursos de música em conservatórios e no nível universitário tornou-se mais frequente entre os cabo-verdianos. E muitos dos que frequentam esses cursos tornam-se professores.

Nesta secção, procuramos dar visibilidade a todos os educadores que contribuíram e contribuem para a formação daqueles que criam e interpretam, seja no palco, nos bastidores ou nos estúdios, a música cabo-verdiana, nas suas mais variadas facetas. Ou a música, de modo geral. Estejam eles nas escolas, nas bandas, nas universidades ou nas suas casas, cercados dos seus pupilos. Ou também no palco, pois são muitos os que mantêm a sua carreira artística dividindo-se entre a performance e o ensino.

Siga os links para conhecer os perfis dos educadores cabo-verdianos na área musical:

Alcides Lopes, Ano Nobo, Adriano Cabral da Cruz, Carlos Matos, Djick Oliveira, Carlos Modesto, Fátima Santiago-Benjamin, Henry Santos, Humberto Ramos, Jackie Santos, Nho Reis, Lúcia Cardoso, Luís Morais, Margarida Brito Martins, Orlando Pantera, Pedro Moreno, Pipita Bettencourt, Porfírio Pereira Tavares, Ricardo de Deus, Tey Santos, Tó Tavares, Vamar Martins, Zeca Couto.

Referências:

Músicas e danças europeias do século XIX em Cabo Verde. Percurso de uma Apropriação (tese de doutoramento), Gláucia Nogueira, 2020.

Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação.

Boletim Oficial do Governo da Província de Cabo Verde.

Portugal em África: Revista de Cultura Missionária.

Esta é uma

Pouco a pouco, mais nomes virão a fazer parte dela.

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