Eugénio Tavares

Por GN em

Eugénio Nozolini de Paula Tavares

Nova Sintra, Ilha Brava, 1867 – Nova Sintra, Ilha Brava, 1930

Compositor, poeta

Ícone da cultura cabo-verdiana – o Dia Nacional da Cultura, institucionalizado em 2005, é a data do seu nascimento, 18 de Outubro –, Eugénio Tavares ficou imortalizado como músico e compositor mas também pela sua produção na poesia, no teatro e no jornalismo.

É um dos primeiros compositores de mornas a ser conhecido, recorda Vasco Martins no seu livro Música Tradicional Cabo-Verdiana I – A morna (1989). Sobretudo, da morna tal como a conhecemos hoje: carregada de lirismo e tendo o mar, a partida e a saudade como referências incontornáveis.

Criou as suas mornas na maior parte das vezes em cabo-verdiano. Em português, escreveu, crónicas, alguma ficção e poemas, mas sobretudo produziu textos jornalísticos demolidores sobre questões da época, que somados à posição de republicano fervoroso, causaram-lhe perseguição política e transtornos para a sua vida pessoal, ao longo de anos.

Eugénio Tavares utilizou nos seus textos diferentes pseudónimos, como Djon de Mamai, Tambor-mor, Jack, entre outros. Para o historiador João Nobre de Oliveira, “com toda a justiça podemos chamar o poeta bravense um fenómeno”, pois apesar dos poucos estudos, seus contemporâneos com formação superior à sua tratavam-no por mestre; totalmente independente da política, era tratado por governadores como “adversário temível ou um amigo influente”, refere Oliveira, em A Imprensa Cabo- Verdiana: 1820-1975 (1998). 

O pai de Eugénio Tavares, português (de Santarém) e a mãe, ligada às famílias Barbosa e Medina (da ilha do Fogo), viviam em Geba, região de Cacheu, na Guiné, segundo o sobrinho neto do poeta, Eugénio Tavares de Sena (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens), que revela que o nascimento de Eugénio Tavares deu-se na Brava devido à circunstância de a mãe ter uma gravidez complicada e por essa razão transferir-se para a sua ilha natal.

A sua música dolente há de embalar no porvir, como agora, o sentir e os sonhos da mulher cabo-verdiana, do homem cabo-verdiano, e a sua expressão nunca morrerá nos lábios das vindouras gerações…”

José Lopes, em A Mocidade Africana, 01.07.1930, sobre a obra musical de Eugénio Tavares

Outro aspecto prende-se com a segurança, pois as propriedades do seu pai tinham sido atacadas durante uma sublevação, situação não rara na Guiné, à época. Devido ao calor tórrido da ilha do Fogo, a gestante parte com a filha de 7 anos para a Brava, na época destino habitual dos que podiam buscar clima mais ameno durante o verão. Hospeda-se na casa de parentes próximos, a família Sena, onde nasce Eugénio Tavares, que vai perder a mãe pouco depois, vítima de uma infecção pós-parto. Órfãs as duas crianças, a menina fica com os Sena e o bebé será criado por José Martins Vera-Cruz e a sua irmã, Eugénia Vera-Cruz Medina.

Eugénio Tavares conclui a instrução primária em 1880 e a partir de 1885 vive algum tempo em São Vicente, a trabalhar numa casa comercial. Em 1889 ingressa no funcionalismo público, tendo ao longo dos anos desempenhado várias funções: meirinho de alfândega, recebedor particular e delegado dos Correios da Brava, membro da Junta de Instrução Pública também na Brava, tendo passado algum tempo a trabalhar no Tarrafal – na época sede do concelho de Santa Catarina, Santiago. Começa cedo a ter conflitos com os seus superiores. As suas críticas, somadas à sua postura de republicano levam a que, em 1898, lhe movam uma campanha que durante anos se arrastará, na qual é acusado de desvio de fundos da repartição por não apresentar contas. Publica em sua defesa, em 1990, o opúsculo Notas sobre um fabuloso alcance de 16 contos de réis na recebedoria do concelho da ilha Brava de Cabo Verde e nesse mesmo ano parte para os Estados Unidos, onde criou o jornal A Alvorada, em New Bedford, a partir de onde ataca o regime monárquico.

Selo dos Correios de Cabo Verde homenageia Eugénio Tavares

Em 1914, Tavares voltou a ser atacado com base no caso do desfalque. Em meio a polémicas na imprensa, já que nunca deixara de escrever os seus artigos críticos, passa algum tempo na prisão e houve cobrança coerciva das suas dívidas, quando foram vendidos em hasta pública alguns prédios do seu pai adotivo e de um irmão deste, já falecido, que tinham sido seus fiadores, segundo A Imprensa Cabo- Verdiana: 1820-1975 (1998).  Só em 1921 foi julgado, e absolvido.

A sua colaboração com a imprensa começara cedo, com um poema dedicado à sua madrinha publicado no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro em 1885. Ao longo do tempo colabora com diferentes publicações, como a Revista de Cabo Verde, O Manduco, Almanaque Luso-Africano, A Voz de Cabo Verde, entre outros. Além dos escritos em jornais, poemas e mornas, Eugénio Tavares foi também autor de peças de teatro, como “A Peçonha” e “Filhos que traem e filhos que salvam”, e traduziu para o crioulo trechos dos poetas portugueses João de Deus (“Engeitadinha”) e Luís de Camões (“Bárbara, bonita escrava”), que fazem parte do volume Mornas cantigas crioulas, publicado em 1932.

Como autor de mornas, a obra de Eugénio Tavares inclui algumas dezenas de composições, cujo número exacto é difícil estabelecer. A compilação Mornas cantigas crioulas traz a letra de 27 delas na primeira edição. Ao mesmo tempo, dez mornas gravadas por diferentes artistas – entre as quais algumas das mais conhecidas, como “Cai no mar” (muitas vezes com o título “Meu bem”) e “Canção ao mar” (ou “Mar eterno”) – não se encontram na compilação publicada em 1932. Contudo, ambas estão numa adenda da edição de 1969, assim como “Camponesa formosa” e “Canções aladas”.

Se bem é doce

Bai é maguado

Mas, se ca bado

Ca ta birado!

Versos de Eugénio Tavares sobre partidas e regressos, inscritos
num monumento à entrada do Aeroporto Internacional da Praia

Além de compor mornas – numa guitarra portuguesa, diz-se, mas segundo o violinista Nho Raul de Pina também dominava outros instrumentos (Artiletra, maio/junho 2003) –, Eugénio Tavares escreveu sobre este género musical o prefácio intitulado “A morna e o povo de Cabo Verde” para a compilação Mornas cantigas crioulas. Embora o seu interesse principal fosse a política, como revela a maior parte dos seus escritos, interessava-se também pelas questões culturais e lamenta nesse prefácio a falta de atenção dada a essa área em Cabo Verde. Este texto tornou-se referência para todos os que desde então escreveram sobre a música cabo-verdiana, e estabeleceu: que a morna nasceu na Boa Vista, como evoluiu em São Vicente, características específicas em Santo Antão e no Fogo e, “finalmente, na ilha Brava (…), fixou os olhos no mar e no espaço azul, e adquiriu essa linha sentimental, essa doçura harmoniosa que caracteriza as canções bravenses”.

A temática das composições de Tavares centra-se sobretudo no amor passional, ora vivido como martírio, ausência ou pecado, ora exaltado como sublime, luz, graça do céu. A mulher é sempre o motivo principal, de lágrimas ou de risos. O mar, a partida e a saudade encaixam-se bem no cenário amoroso dos versos de Eugénio Tavares, mas também na questão mais ampla da emigração. Profundamente vivida por toda a sociedade cabo-verdiana ao longo dos tempos, o quanto esta temática não seria crucial para os bravenses do final do século XIX e início do XX. A morna “Despedida” tem como subtítulo “Marinheiros que partem”. “Hora de bai, hora de dor”, por sua vez, é o início de “Morna de Despedida”, uma das mais conhecidas mornas de todos os tempos.

Eugénio Tavares na capa da Revista de Espiritualismo, 1939

Se a figura de Eugénio Tavares aparece como maçom e republicano convicto, com alguns textos anticlericais, por outro lado este personagem aparece ligado a diferentes correntes espirituais. Isso revela-se pelo facto de ter composto hinos para a a Igreja do Nazareno, que chegara à Brava em 1901; pela sua colaboração com O Missionário Católico, em que publicou o poema “Santo António do Serrado”; e pela Revista de Espiritualismo, órgão da Federação Espírita Portuguesa, que no seu primeiro número (junho 1939) homenageia Eugénio Tavares com a sua imagem e dados biográficos, na capa. Esta publicação dedica cada edição a um espiritualista ilustre. Tavares foi o primeiro da série, pelo que não terá sido insignificante a sua ligação a essa doutrina.

Sobre o seu legado, Vuca Pinheiro sintetiza: “Foi o intérprete por excelência da alma bravense, entendendo como ninguém as aspirações e sentimentos da nossa gente, tendo transformado a nossa morna no veículo da saudade e do sentimentalismo bravense” (capa do CD Sãozinha canta Eugénio Tavares). Artur Vieira, por seu lado, escreve: “Eugénio possui a magia de estar presente em todas as comunidades cabo-verdianas, em cada coração de nossa gente, que alberga sua atávica presença através das canções que compôs” (Cimboa, 1997).

Na vila de Nova Sintra, um busto de Eugénio Tavares encontra-se na praça central, que tem o seu nome, e uma casa museu foi instalada em 2006, num local que foi residência da família. Com sede em Sintra, Portugal, a Fundação Eugénio Tavares trabalha na divulgação da sua obra, através do seu site, exposições itinerantes e apoio à casa museu na Brava. Em 1995, a Presidência da República de Cabo Verde condecorou-o com o Primeiro Grau da Ordem do Dragoeiro.

Composições

Bida Sem Bo Luz, Bo Odjo Preto e Docem Contam Nha Cretcheu, Quim Portam La, Tarde na Aguada (parcerias com José Medina); Meu Bem (Cai no mar)/Meu Bem Se Eu não Te Amo (parceria com Teresinha Sena); Amor é carga? Amor é culpa?; Andorinhas di Bolta; Brada Maria; Camponesa Formosa; Canção ao Mar; Canções Aladas; Cantiga que Deus ensinam; Carta di Nha Cretcheu; Carta quén escrebé nha Lima; Corda de sacramento; Cusas dess mundo; Dispidida (Hora di Bai); E Sim Quel Ta Fazêdo; Enganosa; Flor de rosera; Força de Cretcheu; Lua noba; Mal de Amor; Mar de Lua Cheia; Minino Ná; Morna de Aguada; Morna de bedjiça; Morna na Santana; Mujer bonita; Na cantero de nha peto; Nha cantar; Perde Rebocador; Quel alma já bem papiá; Quem pessoa; Sodade de quem que´n qré!; Vida sem bo luz.

Música escrita

Músicas de Cabo Verde – Mornas de Eugénio Tavares transcritas por Jotamonte, Gráfica do Mindelo, SV, 1987.

Obras publicadas

  • Pretidão de amor. Ed. Xavier da Cunha, [?], 1893 (onde se encontra originalmente a tradução de “Bárbara, bonita escrava”, depois reproduzido em Mornas, Cantigas Crioulas).
  • Ao povo caboverdeano. Tip. E. da Cunha e Sá, Lisboa, 1910 (reproduzido em Viagens tormentas cartas e postais).
  • O mal do amor – Coroa de espinhos. Imprensa Nacional de Cabo Verde, Praia, 1916.
  • Amor que salva, santificação do beijo. Imprensa Nacional de Cabo Verde, Praia, 1916.
  • Manidjas, s/d (reproduzido em Mornas, Cantigas Crioulas).
  • Os Cossacos (poesia), Livraria Rodrigues e Cia., Lisboa, 1918.
  • Mornas, Cantigas Crioulas, J. Rodrigues & Cª Editores, Lisboa, 1932. Reeditado pela Liga dos Amigos de Cabo Verde, Luanda, 1969.
  • Poesia contos teatro. Org. Félix Monteiro. Instituto Caboverdiano do Livro, Praia, 1996. Compila produção em diferentes géneros dispersa por vários jornais e os livros O mal do amor – Coroa de espinhos, Amor que salva, santificação do beijo e Mornas, cantigas crioulas, além de um apêndice com textos sobre a morna, um da autoria de Eugénio Tavares e outro de Baltasar Lopes e José Alves dos Reis.
  • Pelos Jornais… Org. Félix Monteiro. Instituto Caboverdiano do Livro, Praia, 1997. Compila textos publicados em A Marselhesa, Revista de Cabo Verde, A Alvorada, A Liberdade, A Voz de Cabo Verde, O Manduco, uma publicação sobre o quarto centenário de Vasco da Gama e Brava, trechos de uma monografia, do Boletim da Agência Geral das Colónias, 1929.
  • Viagens tormentas cartas e postais. Org. Félix Monteiro. Instituto da Promoção Cultural, Praia, 1999. Inclui os textos de Cartas Caboverdeanas; Notas sobre um fabuloso alcance de 16 contos de réis na recebedoria do concelho da ilha Brava de Cabo Verde; colaboração com A Voz de Cabo Verde e O Manduco; as cartas a Henrique de Vilhena; e um apêndice com textos de vários autores sobre Eugénio Tavares.

Para saber mais

A imprensa cabo-verdiana, 1820-1975, de João Nobre de Oliveira, Macau, Fundação Macau, 1998.

Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens, de Gláucia Nogueira, Campo da Comunicação, Lisboa, 2016. Verbete Eugénio Tavares.

Eugénio Tavares. Retratos de Cabo Verde em Prosa e Poesia, de Genivaldo Rodrigues Sobrinho, Pedro Cardoso Livraria, Praia, 2017. 

Eugénio Tavares, documentário de Vuca Pinheiro:


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