Fernando Quejas

Por GN em

Postal promocional da década de 1960
Cedido por Fernando Quejas

Fernando Aguiar Quejas

Praia, Santiago, 1922 – Lisboa, Portugal, 2005

Cantor, compositor, multi-instrumentista

Fernando Quejas foi o pioneiro na divulgação da música cabo-verdiana em Portugal, onde se fixou em 1947 e onde gravou 22 discos de 45 rpm entre 1952 e 1973. Firmou-se rapidamente no cenário da música de variedades da altura, baseada nos programas radiofónicos com emissões em direto, e percorreu Portugal a atuar em casinos, eventos diversos e nos chamados Serões para os Trabalhadores, promovidos pela Fundação Nacional para Alegria no Trabalho (FNAT) e que duraram até o 25 de Abril. Dos seus primeiros tempos, Fernando Quejas recorda um espetáculo no luxuoso Casino da Praia da Rocha, em Portimão. “Chego ao casino e vejo um cartaz enorme com o meu nome. Não pensava que ia atuar sozinho, pois não era muito famoso.” Ao lado, outro cartaz anuncia Amália Rodrigues no dia seguinte. “Atacaram-me os nervos, fiquei mal disposto. Eu num dia, Amália no outro, quem virá ao meu espetáculo? À noite, na hora de subir ao palco, vejo a sala completamente cheia, com pessoas em pé ao fundo”, recorda (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Enquanto duram os aplausos, o cantor chora, emocionado: “Era uma situação inesperada para mim. Depois acabei por descontrair, e foi uma noite memorável.”

O pontapé de saída da sua carreira em Portugal fora, em 1948, a participação no Programa da Manhã, do locutor Artur Agostinho, na Emissora Nacional (EN), cantando música brasileira – que na sua juventude em Cabo Verde era tão popular como a morna. E foi convincente a ponto de, ao terminar o seu primeiro programa, um ouvinte brasileiro telefonar para a emissora para falar com o artista, perguntando de onde era, no Brasil. “Sou de Cabo Verde”. “Mas Cabo Verde não é no Brasil”, contesta o outro. “É isso mesmo”, confirma Quejas, deixando incrédulo o interlocutor. Algum tempo depois, passa por um exame e é admitido no elenco da EN.

“Ora que bu bai, Fernando Quejas,

cantá-no la di longe nôs terra!”

Jorge Barbosa, num poema dedicado
a Fernando Quejas, por ocasião
da sua partida para Portugal

É de forma gradual que Fernando Quejas introduz a morna no seu repertório, no qual se destacam pela frequência temas de B.Léza, Eugénio Tavares e Jotamonte. “A morna era praticamente desconhecida em Portugal, era difícil encontrar músicos cabo-verdianos para o acompanhamento, as pessoas não percebiam o crioulo”, afirmava o cantor, justificando a sua opção de aportuguesá-las. Quejas foi acusado em Cabo Verde de estar a deturpar a morna, pelas letras em português e por alguma influência dos ritmos sul-americanos. Mas a verdade é que, se ao vivo as cantou em português, só raramente o fez nos seus discos. Na altura, houve quem o defendesse. Jaime de Figueiredo, ao apresentar na Rádio Clube de Cabo Verde (RCCV) um novo disco do cantor, em 1958, situa-o na vanguarda da evolução da morna, numa altura em que ela “já se distancia (…) da velha toada lamentosa que durante muito tempo se cristalizara” e afirma que a interpretação de Quejas “busca ajustar-se a essa transição irremediável”.

Grupo musical com que Fernando Quejas atuava na Praia, década de 1940. Foto cedida por Fernando Quejas

O cantor, que passado meio século do início da sua carreira aparece como um representante da tradição, reivindicava o papel inovador que teve naquela altura, ao utilizar o acompanhamento de instrumentos que iam além dos habituais nos grupos de “pau e corda” da altura – violões, violino, cavaquinho e viola de 12 cordas – e com arranjos que diferiam das interpretações habituais, pela presença de uma introdução instrumental a anteceder o canto. Já no seu primeiro disco, em 1952, orquestrado pelo maestro Joaquim Luís Gomes, o cantor realiza o sonho que levava de Cabo Verde: ver a morna tocada por uma orquestra, ao estilo de Glenn Miller e Benny Goodman, que ouvia pela rádio e nos musicais norte-americanos. Mais tarde, na década de 1960, convidado a criar a Orquestra Ligeira Sinfónica da EN, Gomes, já então encantado com a música cabo-verdiana, segundo Quejas, convida-o para a estreia, em que o cantor interpreta o clássico “Mar Eterno”, de Eugénio Tavares.  

Fernando Quejas passou 43 anos sem voltar a Cabo Verde. Voltou em 1990, a convite do então presidente da República Aristides Pereira, que soube da confidência do cantor a um amigo sobre a sua mágoa de ver vários artistas portugueses serem convidados para atuar em Cabo Verde e ele nunca o ter sido. Na altura realizou um espetáculo na Assembleia Nacional, reunindo músicos de várias gerações.

Antes de sair de Cabo Verde, Quejas já atuava, desde muito jovem, em sessões musicais na Praia, em particular na RCCV, da qual foi sócio-fundador e o primeiro artista a atuar em direto a partir dos seus estúdios. Nessa época, o compositor Jorge Monteiro (Jotamonte), era o regente da Banda Municipal da Praia, e punha-o “de castigo”, durante os ensaios, para depois perguntar a sua opinião sobre o resultado. O cantor, aliás, tem uma faceta menos conhecida, que é a de instrumentista, hábil ao piano, violão, violino e outros instrumentos de corda.

Apesar da sua carreira a cantar mornas, a música sempre foi um hobby para Fernando Quejas, que trabalhou 43 anos em Portugal como funcionário administrativo no sector privado. À parte cantar, na rádio, na televisão e em espetáculos, divulgou a música cabo-verdiana em Portugal através de um programa que dirigiu na EN, no fim da década de 1960. Em 1998, depois de 25 anos sem gravar, saltando toda a era do LP, Quejas lançou o seu último trabalho, o CD Corredor di fundo.

Discografia

  • Mornas, EP, Lisboa, Columbia/VDC, 1952.
  • Mornas de Cabo Verde – Fernando Quejas e Conjunto Creoulo, EP, Porto, Alvorada, 1952.
  • Mornas de Cabo Verde por Fernando Quejas e seu conjunto, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1950].
  • Fernando Quejas, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1950].
  • Mornas de Cabo Verde, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1950].
  • Fernando Quejas, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1950].
  • Mornas por Fernando Quejas, EP, Porto, Alvorada,
    [déc. 1950].
  • Mornas, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1950].
  • Fernando Quejas, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1960].
  • Mornas, EP, Porto, Alvorada, 1964.
  • Mornas e coladeiras, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1960].
  • Música de Cabo Verde, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1960].
  • Mornas e coladeiras, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1960].
  • Mornas – Cabo Verde, EP, Porto, Alvorada, [déc. 1960].
  • Cabo Verde, EP, Porto, Alvorada, 1970.
  • Mornas e coladeiras, EP, Porto, Alvorada, 1971.
  • Música de Cabo Verde, EP, Porto, Alvorada, 1973.
  • Côrrêdor di fundo, CD, Lisboa, Isabel Quejas/Carlos
    Barroco, 1999.

Composições

Força di destino; Sodade de B.Léza; Mensagem creoula

Publicou

Andante cantabile – Uma vida de mornas, 1998. Coletânea de letras de composições e poemas de Fernando Quejas.


Para saber mais

Quejas , Tchufe e Lobo. Reis crioulos do samba, fado e morna dos anos 30, de Alveno Figueiredo Silva, Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2009.


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