Carnaval em São Nicolau

Por GN em

Por Gláucia Nogueira

Desfile de Carnaval na RIbeira Brava. Foto: Neizinho Gomes

Embora sem a dimensão que ganhou o Carnaval mindelense em termos de público e projeção mediática, o Carnaval na ilha de São Nicolau é também uma tradição e festejado com muita animação pelas ruas da Ribeira Brava. Contudo, há poucos registos da sua história. Um dos raros textos publicados sobre este tema é um artigo no Expresso das Ilhas (26.02.2019), segundo o qual já no início do século XX haviam festejos de Carnaval na ilha, que foram passando por várias fases. No início, seriam simplesmente mascarados que saíam a animar as ruas, mais tarde tornaram-se grupos organizados.

“Em 1952 um desses grupos, de nome Equador, fantasia-se uniformemente com trajes de marinheiros e anima as ruas de Ribeira Brava e Caleijão”, lê-se no texto do Expresso das Ilhas, que refere que no estandarte do grupo estava pintado o símbolo do Equador mas, por razões políticas, foram alertados de que não deviam continuar a utilizar essa imagem.

História

Rei e rainha do Carnaval. Fonte: Expresso das Ilhas

Destaca-se na trajetória do Carnaval em São Nicolau o chamado Negro Saraf. Trata-se de Serafim Lopes, sanicolaense que emigrou para o Brasil na primeira metade da década de 1950 e, mais tarde, para os Estados Unidos, tendo regressado a Cabo Verde depois da independência. Antes da sua partida para o Brasil, Serafim Lopes teria sido Rei do Carnaval, e sua irmã, Paula, Rainha, isso no início da década de 1950, segundo Amílcar Spencer Lopes (Miquinha), natural desta ilha e ele próprio um compositor de músicas para o Carnaval.    

Em São Paulo e região (Santos, Santo André), assim como no Rio de Janeiro, já existia, na década de 1950, um considerável número de cabo-verdianos com origem em São Nicolau. Assim, quando, em finais de 1957, os amigos que Serafim Lopes deixara em São Nicolau (Djandja, Cândido de Ti Toi, António Sacristão, Abílio Maximiano e outros) resolveram criar um novo grupo carnavalesco para desfilar em 1958, foi o Negro Saraf quem, do Brasil, mandou a ideia do nome: Copa Cabana. Mandou também as fantasias e até o samba, intulado “Sai di Baixo”.

Se o Negro Saraf teve essa atuação, talvez outro carnavalesco residente no Brasil tenha colaborado à distância. Trata-se de Cabo Roque (Eugénio Pedro Ramos, 1903-2003). Este sanicolaense de Queimadas viveu no Brasil de 1929 até o fim da sua vida, e em sua casa, na cidade de Santos, floresceu a escola de samba X-9, cuja origem foi um grupo de estivadores que saía pela cidade para se divertir. Fundada oficialmente em 1944, é uma das mais antigas escolas de samba do Brasil e já foi campeã 19 vezes.  

Anteriores ao Copa Cabana, que desfilou com esse nome em 1958, existiram vários grupos (Piabaixano, o já mencionado Equador e outros). “Nesse ano foi criado o Unidos, por Zé-ter, Frank Retratista, Pedro Gini, Zug-Zug e outros, precisamente para se revalizar com o Copa Cabana”, refere Amílcar Spencer Lopes, prosseguindo: “E foi o Unidos quem lançou, nesse ano de 1958, o primeiro andor (carro alegórico) de que há memória, em São Nicolau: uma avioneta, pilotada por uma menina dos seus 5-6 anos, Ana Paula, por sinal, sobrinha do Negro Saraf.”. O Unidos, anos mais tarde, viria a fundir-se com o Ladeirista e o Sanjonista, formando o atual Estrela Azul, em 1964.  

Lopes tem recordações da sua infância relacionadas com o Carnaval. Tendo nascido em  1948, lembra-se de haver na casa da família uma foto em que aparece “à entrada da ponte que dá acesso ao centro da Ribeira Brava, fantasiado de sevilhana (teria uns 2, 3 anos), ao colo duma moça dos seus 16 anos e ao lado do meu irmão que me leva 7 anos, todos fantasiados”. 

Atualidade

Entre os principais grupos atuais do Carnaval em São Nicolau contam-se os dois mais antigos, Copa Cabana (nascido com este nome em 1958) e Estrela Azul (em 1964); o Brilho da Zona, do Caleijão; Tchã d’Norte; os grupos de animação Tcha Contsê e Metê-Metê: e a bateria dos alunos do Liceu Baltasar Lopes da Silva. Há também um grupo denominado Baianas do Tarrafal, do município com este nome, a 26 quilómetros da Ribeira Brava.

Segundo um texto da Inforpress (16.02.2020), o fator financeiro, as dificuldades de ligação marítima que São Nicolau enfrenta com frequência, a escassez de materiais e o incumprimento do horário dos desfiles são as condicionantes que têm penalizado o Carnaval na ilha. Os grupos enfrentam problemas para aquisição de equipamentos sonoros, pagamento de mão-de-obra no estaleiro e músicos, entre outros. O Estrela Azul, segundo o texto da Inforpress, conta com uma banda que se desloca da ilha do Sal, com custos altos para o orçamento do grupo. A fraca presença de empresas na ilha dificulta o recurso a patrocinadores. Por outro lado, os problemas de ligação marítima têm condicionado o transporte de materiais necessários à construção dos carros alegóricos e trajes. O Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas tem nos últimos anos destinado alguns apoios aos grupos de Carnaval.

Personagens

Alguns personagens são incontornáveis na história do carnaval na ilha de São Nicolau.

Entre eles, contam-se nomes como José da Luz (1932- 1995) ou Zê da Lus de Nhana Nha Spedje, como era conhecido. Músico, animador e figura de destaque do Grupo Estrela. Foi, até o ano de 1973, um grande entusiasta e compositor de marchas e sambas para o Carnaval de S. Nicolau, segundo a reportagem do Expresso das Ilhas.

António João Almeida (1931-2013), mais conhecido como Nho Antôn Marinha, do grupo Estrela Azul, foi um grande animador do Carnaval, como organizador dos desfiles do seu grupo, tendo sido também “Rei d’Estrela”. Foi homenageado nas comemorações das bodas de ouro do grupo Estrela Azul, em 2014. Para além do Carnaval, dedicava-se também às festas de romaria.

Este era o caso também do sapateiro Aurélio (“Orel”), que além de carnavalesco era um participante ativo nos festejos de São Pedro. Segundo Amílcar Spencer Lopes, até ao fim da sua vida, ele “encantava a meninada, todos os anos, com o Oranga”. Este era “um boneco disforme de saco de serapilheira, enchido com palha de bananeira, montado num burro, que o Orel trazia pela corda, enquanto fazia gaiatices, como os palhaços nos circos”, recorda. 

Outra figura de destaque foi Joaquim Duarte Franco Ferreira (“Ferrerinha”, 1933-1979), que levava o título de “O artista” e também carnavalesco. Foi Rei do Carnaval do Grupo Copa Cabana por três anos consecutivos.

Ainda entre os personagens do Carnaval em São Nicolau desponta o nome de Lutcha Gonzaga, que compunha músicas para o Copa, e, antes dele, Toni de Nha Bárbara, que tocava cavaquinho e também compunha para diversos grupos, recorda Amílcar Spencer Lopes.

Na atualidade, entre os compositores de músicas para os vários grupos destaca-se Ivaldo Oliveira, como um mais requisitados, e Hernany Reis (“Gonça”), que desde 2009 cria as músicas do grupo Estrela Azul.  

Memória

O ativista cultural José Firmino, que há anos se dedica a preservar a memória do Carnaval e de outros aspetos etnográficos da ilha de São Nicolau, organizou por várias vezes exposições de fotos e de peças dos andores, assim como de trajes usados pelos foliões, atraindo sobretudo estudantes e turistas.

Ouça aqui uma marcha de Carnaval da década de 1980, do grupo Estrela Azul, interpretada pelo grupo de Mané Pchei e coro (do CD Music from São Nicolau : Cabo Verde – Ilhas do Barlavento).

Fontes:

“História do carnaval de São Nicolau em exposição”, artigo de Chissana Magalhães, Expresso das Ilhas, 26.02.2019.

“São Nicolau: Grupos oficiais do Carnaval dispostos a mudar as condicionantes que dificultam a sua promoção”, Inforpress/www.ribeirabravafm.com, 16.02.2020.

submarinocaboverdiano.blogspot.com

Cabo Verde & a Música Museu Virtual agradece a colaboração de Amílcar Spencer Lopes, José Firmino e Neizinho Gomes na produção desta página.

Ver e ouvir

Vídeo cedido por José Firmino

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