Codé di Dona

Por GN em

Codé di Dona em sua casa em São Francisco, 1998. Foto: Gláucia Nogueira

Gregório Vaz

São Domingos, Santiago, 1940 – Praia, Santiago, 2010

Compositor, cantor, instrumentista (gaita)

Codé, corruptela do francês cadet (o mais novo da família), criado pela avó, habitualmente designada Dona, em cabo-verdiano. Vivendo no interior de Santiago, percorria a ilha, a pé, atrás de batizados e casamentos para ouvir os tocadores célebres da época, como Antão Barreto, Manu Mansu, Denxe Lope, Mouzinho Bala, Nho Lixe, Toti Lope e Nha Maninha Santiago… Como eles, Codé di Dona veio a ser considerado um dos pais do funaná tradicional, e a sua fama, pelo menos no interior de Santiago, vem já do tempo colonial, quando este género era simplesmente uma música de campónios, desprezada e praticamente desconhecida nas cidades.

“Eram os tempos em que os padres proibiam os bailes com batuku e funaná”, conta Codé em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens. Ele próprio teve problemas com a justiça, e chegou a ficar preso, depois da festa de batismo do seu primeiro filho. Sem transporte para os convidados nem camas para hospedar tanta gente, a solução era continuar a festa. E o anfitrião tocou a noite inteira. No dia seguinte, chegou a intimação: “Fizeram queixa de mim no regedor, 300 mil réis de multa. Naquele tempo, era como 600 contos hoje. Eu não tinha aquele dinheiro…”. Codé di Dona livrou-se da prisão dizendo à autoridade que o inquiria que perguntasse ao fiscal que esteve na festa quanto tinha pago para entrar. Não tinha pago nada, o que provava que era uma festa privada, relatou a Cabo Verde & a Música – Museu Virtual Calu di Guida, que com ele conviveu na sua infância e juventude.

Sobre o valor da multa, referia que dinheiro não havia nem para o básico: “Quem tinha sapato era só o burguês, o funcionário. Nós não tínhamos dinheiro para comprar sapato, muito menos gaita! Uma gaita naquela época era 1.200, assim por diante. Em São Tomé compravam por 600” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens).

E foi assim que trocou, com alguém que voltara de São Tomé e Príncipe, um tambor de milho pelo seu primeiro instrumento. É nessa gaita que aprende a tocar, e nesse mesmo ano, 1959, compõe um dos maiores clássicos da música cabo-verdiana de sempre: “Fomi 47”, cuja letra alude justamente a um dos mais graves períodos de seca e fome ocorridos no arquipélago no último século, e relembra as temíveis viagens, na maior parte das vezes sem volta, para as roças de São Tomé e Príncipe.

Era o mês de Outubro, já tinha passado a época da sementeira e não choveu; eu tinha aquela importância e tinha muita vontade de tocar. Foi bom para mim, pois aquele tambor de milho acabou muito cedo e a gaita ficou comigo muito tempo.

Codé di Dona, em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens

Só aos 56 anos Codé di Dona teve editado o seu primeiro trabalho discográfico. Resultou de gravações feitas em 1995, na sua própria casa, em São Francisco, para uma série de programas sobre Cabo Verde a serem exibidos pela televisão francesa, um dos quais dedicado ao funaná. Trata-se de Cap-Vert – Kodé di Dona, que mostra o funaná no seu estado bruto: nada mais que gaita, voz e ferrinho.

Em 1997 sai o seu segundo CD, num registo completamente diverso do caráter de recolha etnográfica do anterior. O suporte de baixo, guitarra e bateria imprime-lhe um irresistível apelo à dança, razão provável do seu sucesso: 20 mil cópias vendidas nos primeiros quatro meses de 1998 (quantidade significativa para mercados de países da dimensão de Cabo Verde e Portugal), levando a novas tiragens.

Mas apesar da sua longa história musical, foi o sucesso anterior do grupo Ferro Gaita (1997), que retoma o acordeão como instrumento solista e lança uma nova onda no funaná, que leva um produtor a apostar no sucesso comercial de uma gravação com Codé. A partir daí pode-se dizer que o artista inicia propriamente uma carreira musical com maior visibilidade, apesar de algumas atuações pontuais, anteriormente, em alguns festivais na Europa, entre os quais o de Montreaux, na Suíça, em 1993.

Isso acontece quase vinte anos depois da formação do Bulimundo, grupo que faz o funaná transbordar do meio rural de Santiago para tornar-se um dos géneros musicais cabo-verdianos de maior destaque. Mas Codé di Dona já estava lá, no primeiro disco do grupo, Djam brancu dja, com duas composições: “Febri di funaná”e “Pé di pedra”, músicas que o autor só foi gravar no final da década de 1990, às vésperas de se reformar como guarda-florestal – função que começou a exercer em 1982, depois de ter experimentado um pouco de tudo para sobreviver.

Mano Preto no espetáculo que homenageia Codé di Dona. Foto: Jeff Hessney

Em 2018 a Companhia de Dança Raiz di Polon estreou o espetáculo Kodé di Dona, um solo concebido e executado pelo coreógrafo e bailarino Mano Preto, tendo como base a biografia do músico de São Domingos. Em agosto de 2022, a peça foi apresentada em Lisboa, no âmbito do Festival Solo Fest.

Discografia

  • Cap-Vert – Kodé di Dona, CD, Ocora/Radio France, Paris, 1996.
  • Codé di Dona, CD, GP, Brockton, 1997.
  • Djam bai, CD, GP, Brockton, 2001.
  • Participação no CD coletivo Fidjus di funaná, 1998, com o tema “Praia Maria é bonita”.        
  • Participação no CD de recolhas Cap-Vert un archipel de musiques, 1999, com o tema “Ma n’ka ta ba rubera ki tem agu tcheu”.
  • Participação no CD-DVD coletivo Funaná é ku nôs, 2007, com os temas “Mokero n’ka pode ku el”, “Sodadi” e “Fomi 47”.

Composições

Amizadi na Korason; Bala Branka; Bela Andrade ; Bia di Polon; Coré Mon; Costa so Seta; Djam Bai; E Sima Pomba Ku Mama; Febri Funaná; Fomi 47; Ma N´ka Ta Ba Rubera Ki Tem Agu Tcheu; Mi Mokeru N Ka Pode Ku El; Mi N Ta Rabola; Minina, Kus´é K´N Fase-u; N Ta Bal d´Augusta; Pé di Pedra; Polícia de Praia; Pomba; Praia Maria é Bonita; Pretinha Lopi; Rufan Barela; Santo António la Belém; Sodadi San Francisco; Tchora; Titina Lopi Bu Ka Tem Kabelu; Tral Pe di Labada Nôbu; Vaidadi; Valsa Braz du Puldina; Yota Barela


Ver e ouvir

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