Renato Cardoso

Por GN em

Renato Cardoso, em São Vicente. Foto cedida por Lúcia Cardoso

Renato Silos Cardoso

Mindelo, São Vicente, 1951 – Praia, Santiago, 1989

Compositor

Autor de obra reduzida em quantidade – quatro composições gravadas – mas considerado um dos mais importantes compositores de Cabo Verde, Renato Cardoso aparece no pós-independência, com um dos seus temas inserido no primeiro LP d’Os Tubarões, em 1976. É dessa mesma altura a única gravação que realizou: uma cassete em que aparece a tocar, com Luís Morais, Djick e Humbertona, enquanto Luís Tolentino e Emanuel Braga Tavares dizem poemas e Ildo Lobo e Érico Veríssimo cantam. Os temas são de Cardoso e Manuel Faustino. Iniciativa do Grupo de Intervenção Artística (GIA), a cassete intitula-se Canções de Luta, Poemas de Combate.

Como compositor, Renato Cardoso destaca-se pela inovação, não se restringindo aos limites dos géneros institucionalizados, como a morna ou a koladera. Cria baladas, com letras críticas e de teor realista que o fazem ser considerado uma espécie de Zeca Afonso de Cabo Verde. Fala da pobreza no meio rural e da necessidade de emigrar, da exploração nos estaleiros da construção civil em Portugal (“Alto Cutelo”, por vezes identificada como “Novo contratado”), mas também da esperança no futuro da terra recém libertada (“Tanha”), da expectativa num mundo novo (“Porton d’nos ilha”). 

Selo dos Correios de Cabo Verde com a imagem de Renato Cardoso

Para Eutrópio Lima da Cruz, Renato Cardoso, enquanto estudante em Portugal, terá vivido em cheio a época das baladas de intervenção com que Zeca Afonso fustigava o regime salazarista, nos seus últimos anos. “Havia nele uma preocupação de intervenção com uma mensagem clara para transformação social e uma preocupação de busca de qualidade”, afirma Lima da Cruz, lembrando que, na altura da sua morte, o compositor pensava criar “um movimento para a composição com qualidade, num momento em que, dada a explosão da produção musical (anos 1980) muito subproduto veio para a praça e por vezes com tendência para se afirmar” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens) Para Manuel Faustino, a influência de Zeca Afonso é mais enquanto temas de intervenção, e menos no aspeto musical, apontando aqui referências brasileiras, angolanas, o jazz – “era uma situação eclética”, afirma, situando Renato Cardoso como um expoente “num período de utopia, em que as pessoas tentavam estar na política e na vida de uma forma global, ao mesmo tempo estudar, mobilizar, fazer política, discutir a literatura de Cabo Verde, questionar e se posicionar em relação à arte…” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens).

“Continuo a pensar que a música é importante para a mobilização e que se deveria fomentá-la com letras sérias que traduzam as preocupações da sociedade em cada altura. Como disse, essas [minhas] contribuições traduzem a luta na emigração antes da independência, o processo emigratório pós-independência e a luta pela justiça social. Contudo, penso que há outras coisas a fazer, como o trabalho burocrático, administrativo, o trabalho técnico puro. Mas isso não dispensa que à música seja dado um papel importantíssimo na discussão e na divulgação das principais preocupações do país”.

Renato Cardoso, citado por Manuel Brito Semedo em A Morna-Balada – O Legado de Renato Cardoso

 

À parte a música, Renato Cardoso foi secretário de Estado no final do regime de partido único, altura em que introduziu várias inovações na administração pública, área da sua tutela. Antes disso, fora assessor do então primeiro-ministro Pedro Pires e diretor geral dos Assuntos Políticos, Económicos e Culturais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, entre outros cargos de direção em órgãos do Estado. Colaborou também na produção de diversa legislação. Politicamente, a sua postura não é óbvia, pois estando ligado ao PAICV, e sendo um alto dirigente no período em que este partido esteve no poder, no seu discurso, apontam observadores, não aparecia a linguagem de teor marxista comum naqueles primeiros anos de Cabo verde independente.

Figura multifacetada, antes disso tudo Renato Cardoso esteve ligado à Igreja do Nazareno, confissão protestante com origem nos EUA e de forte presença em Cabo Verde desde o início do século XX. Nesse contexto, presidiu o segmento juvenil da igreja, foi redator da revista Alvorada e ilustrador no jornal Epístola, refere a obra A Imprensa Cabo-verdiana, 1820-1975, de João Nobre de Oliveira (1998).

Numa noite de 1989, Renato Cardoso foi assassinado a tiros na cidade da Praia, um crime nunca esclarecido.

Composições

Alto Cutelo; Tanha; Terra bô sabê; Tanha.

Ouvir

error: Content is protected !!