Tchitchite

Por GN em

Tchitchite e Pedro d’Amélia, 1974. Foto cedida por Fausto do Rosário

Alexandre Andrade

São Filipe, Ilha do Fogo, 1901 – São Filipe, Ilha do Fogo, 1984

Instrumentista (tambor)

Lendário tocador de tambor da ilha do Fogo, este instrumento acompanhou-o a vida inteira. Em criança já o tocava, adolescente, empunhava-o nas festas de bandeira (tradicionais naquela ilha e dedicadas a vários santos católicos) e quando no serviço militar, período em que viveu na Praia, por volta dos 20 anos, foi o seu instrumento, depois de inicialmente ter tocado clarim.

E pelo resto da sua vida tocou-o, tanto nas datas festivas como na qualidade de “tocador de bando” para a Câmara Municipal de São Filipe – forma de divulgação oral de notícias e informações oficiais, em que, após chamar a atenção da população com o som do tambor, transmitia as informações de que era portador. Tarefa a que não estará alheio o facto de saber ler e escrever (estudou até a 3ª classe), algo incomum no seu tempo entre as pessoas dos extratos socioeconómicos mais baixos, como era o seu caso.

“‘Alâ Tchitchite tâ rufa tambor…’, dizíamos nós, e toda a gente saía a perguntar o que se passava. Era altura de parar o tambor e, com voz clara e forte, fazer o aviso. Não havia rádio, mas a forma encontrada tinha uma eficácia de quase cem por cento”, escreve Gilda Barbosa, cronista da ilha do Fogo (Terra Nova, junho 2001), num artigo sobre o tamboreiro.

Por ocasião do seu falecimento, um dos seus admiradores e amigo de longa data recordou a primeira vez que o viu, “… trajando o seu avental branco e com o tambor de cobre pendurado ao pescoço. Estava a tocar um bando e havia uma quantidade de meninos atrás dele vendo-o fazer magias de som com os seus paus de tambor. Com o tempo fui-me familiarizando com ele pois passou a trabalhar em nossa casa e assim nas horas vagas aproveitava para nos contar a nós meninos os seus feitos de tropa, as suas guerras com os rivais como o Príncipe de Ximento…”, escreveu por sua vez Pedro do Rosário num artigo intitulado “Recordando um amigo – Chichite” (Terra Nova, julho 1984).

Reproduçao de tela a óleo do pintor foguense José Carlos Barros Pereira (Djudjé), representando os tamboreiros Tchitchite e Pedro d’Amélia (de boné) e as coladeiras Mamá di Cótche (à direita de Tchitchite), Brumedja (atrás de Pedro d’Amélia), Zinha Putchim (à sua esquerda) e Maria Fidjim

Tchitchite, continua o autor do texto, tocava em todas as bandeiras do Fogo: São Sebastião, São Filipe, São João e São Pedro e ainda nas pequenas bandeiras da praia, bem como nas cavalhadas, procissões, canizades e no pilão (os vários momentos da festa de bandeira).

“Era uma pessoa respeitada e com seu lugar certo nos festejos e havia operações de cujo comando era só ele. De todas as bandeiras, ele era devoto da de São João que dava em cada ano à sua maneira e dentro das suas posses”, lê-se no texto que o evoca, pelo qual se fica também a saber que, entre os trabalhos que teve ao longo da sua vida, Tchithite foi durante algum tempo coveiro, numa das épocas trágicas de fome em que os enterros eram diários. Desse período, guardou a revolta de ver os indigentes serem enterrados sem caixão (um único, pertencente à Câmara, servia para todos no trajeto até o cemitério), e tinha o receio de que o mesmo viesse a lhe acontecer.

Mas não foi assim, pois os seus amigos garantiram-lhe um funeral condigno, quando faleceu às vésperas do dia de São Pedro, já com a festa a decorrer (o ritual das festas de bandeira começa três dias antes do dia do santo festejado). Desta vez, e para sempre, sem o seu tambor.

Fausto do Rosário em junho de 2013, véspera de São Pedro e aniversário da morte de Tchitchite, recordou-o num texto emotivo que se pode ler aqui.

Colaborou na pesquisa: Fausto do Rosário

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