Tchufe

Por GN em

Tchufe, num calendário com que a Câmara Municipal de São Vicente homenageou figuras da cidade

Pedro Alcântara Freitas Silva Ramos

Mindelo, São Vicente, 1913 – Mindelo, São Vicente, 1982

Cantor

Cantor de bela voz que animou muitas serenatas nas noites mindelenses ao longo dos quase 70 anos que viveu, Tchufe teve a particularidade de representar Cabo Verde em situações tão díspares como, em Lisboa, a apoteótica afirmação do colonialismo que foi em 1940 a Exposição do Mundo Português, e em 1980, as Olimpíadas de Moscovo na União Soviética, agora por Cabo Verde independente, ao lado do grupo Cabosamba.

Da colónia ao país, Tchufe foi, antes de tudo, uma figura popular na sua cidade, Mindelo. “Todos se lembram com infindas saudades das noites calmas de luar em que, com o seu violão ao peito, a sua voz potente e melodiosa se fazia ouvir por toda a cidade, acompanhado dos seus amigos e admiradores…”, recordou o memorialista Nena, por ocasião do falecimento do amigo (Terra Nova, março 1982). “Era num certo sentido um show man. Ele cantava, se entregava e contagiava. Não se limitava a cantar e a tocar. Ele tinha de facto esse poder de comunicação que era um dos traços fundamentais dele”, lê-se no depoimento de Manuel Faustino no livro Quejas, Tchufe e Lobo – Reis crioulos do samba, fado e morna dos anos 30, de Alveno Figueiredo e Silva (2009).

Como outras figuras da cultura popular do seu tempo, o cantor aparece como personagem de uma obra de ficção, o conto “Caduca”,de Gabriel Mariano (em Vida e Morte de João Cabafume).

“Na taberna de Luísa Manobra tem rapaziada fixe. Lá é que ele vai desenfastiar a boca com um grogue e pegar corpo com um peixinho frito. Luísa Manobra tem rapaziada fixe. Goi é o que toca cavaquinho e Tchufe o que toca violão…”

Gabriel Mariano, no conto “Caduca”

Tchufe, que além de cantar tocava violão, era considerado um grande conhecedor da música cabo-verdiana. Filho do compositor Antôn Tchitche e irmão da pianista Tututa, atuava com ela, nesses tempos anteriores ao microfone, naquele que foi um espaço incontornável no Mindelo, o lendário Café Royal, que resistiu até o início do século XXI. Interpretava habitualmente músicas brasileiras e cantava também em inglês e francês, tendo traduzido para esses idiomas algumas músicas cabo-verdianas – o livro que resgata a memória sobre este personagem reproduz a letra e a versão em inglês de duas koladeras, o que até lhe terá rendido algumas críticas de tradicionalistas.

Consta que Tchufe terá sido o primeiro a interpretar música country em Cabo Verde. O seu ecletismo revela-se também, como mostra o citado artigo de Nena, numa visita de autoridades portuguesas à ilha de São Vicente, quando o cantor encerrou com chave de ouro a sua atuação a interpretar o clássico fado “Adeus Mouraria”. Aliás, a sua ligação ao fado também passa pela sua temporada, nos anos 1950, na Adega Machado, tradicional casa de fados do Bairro Alto, em Lisboa, em que esteve acompanhado por Morgadinho e Lela Preciosa. Um anúncio de jornal faz publicidade ao “Trio Caboverdeano” chamando a atenção para “o famoso cantador de mornas Pedro de Alcântara”, como mostra o livro de Silva.

Tchufe Foi um intérprete privilegiado das mornas de B.Léza, cabendo-lhe muitas vezes lançar as novas criações do compositor. É com B.Léza, Hilário e Adolfo Silva (que mais tarde adota o nome artístico de Eddy Moreno) que viaja para o evento de Lisboa, em 1940, para atuações que, curiosamente, a imprensa portuguesa da época praticamente omite. Uma das raras referências ao grupo liderado por B.Léza diz apenas que no navio Angola “chegaram também cinco músicos bronzeados, de Cabo Verde, destinados à secção colonial da Exposição do Mundo Português” (O Século, 26.05.1940).

Tchufe terá feito gravações na rádio, em São Vicente, que permaneceriam inéditas se não fosse a sua inclusão (como outras gravadas em contexto familiar) num CD que acompanha o citado livro Quejas, Tchufe e Lobo. À parte a música, Tchufe trabalhou como marítimo durante algum tempo e depois foi funcionário público, no Registo Civil e na Câmara Municipal de São Vicente, pela qual se reformou. 

Para saber mais

Quejas, Tchufe e Lobo – Reis crioulos do samba, fado e morna dos anos 30, de Alveno Figueiredo e Silva, IBNL, 2009.

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