Viriato da Fonseca

Por GN em

Viriato Gomes da Fonseca. Fonte: Arquivo Histórico Militar/Portugal

Viriato Gomes da Fonseca

Coculi, Ribeira Grande, Santo Antão, 1863 – Oeiras, Portugal, 1942

Instrumentista (cordas), poeta, animador cultural

Militar com dotes artísticos e vocação de animador cultural, Viriato da Fonseca aparece no Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro (1902) numa lista de “cabo-verdianos ilustres”, ao lado de nomes como Eugénio Tavares, José Lopes, Januário Leite e Luís Loff de Vasconcelos. O almanaque descreve-o como um cavalheiro de fino trato, ressaltando a sua inteligência e erudição, mas não faz qualquer referência ao seu talento como intérprete musical ou às atividades que desenvolveu como diretor da Tuna Praiense.

Consta que desde muito jovem o militar era um afamado guitarrista. E ainda que escrevia poemas e compunha músicas. Nos vários períodos passados em Lisboa, tinha entrada franca no Paço Real. Apontamentos biográficos a seu respeito referem que a rainha D. Amélia ofereceu-lhe uma guitarra (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens).

Na qualidade de músico, quem traz notícias suas é a Revista de Cabo Verde, de que foi colaborador, escrevendo os artigos de fundo a partir de abril de 1899 – neste número, defende a criação de um liceu de artes e ofícios em Cabo Verde. A 9 de abril de 1899, o Teatro Africano, na Praia (que funcionava no local onde veio a ser o cinema do Plateau) recebia uma “enchente” de público para uma festa beneficente. Uma das três peças encenadas foi O Galucho (recruta), “cançoneta cómica” apresentada por Viriato da Fonseca que, nessa noite, tinha também a responsabilidade da sua Tuna a atuar, nos intervalos – e foi bastante aplaudida, segundo a edição de maio da Revista de Cabo Verde). A publicação, no mês anterior, dera conta de que Fonseca havia regressado de Santo Antão com a família e imediatamente posto o grupo a ensaiar novas obras.

Em agosto do mesmo ano, esse periódico destaca, entre as peças expostas na loja Mello & Irmão que vão para a Exposição de Paris – uma das várias exposições coloniais que se realizavam na Europa na altura –, um quadro feito a pena com tinta da China, da autoria de Viriato da Fonseca. Na obra, “entre arabescos e figuras alegóricas, acham-se disseminados, artisticamente, várias músicas populares de Cabo Verde”. As figuras alegóricas retratam “duas figuras de indígenas tocando harpa e cimbó”, lê-se noutro texto sobre a exposição de 1900, na mesma edição (Revista de Cabo Verde, agosto 1899). Em setembro, a “Resenha Noticiosa” da publicação, na parte referente à Praia, trazia a seguinte informação: “Fez exame para advogar nos auditórios da comarca de Sotavento o sr. Viriato da Fonseca, tenente de artilharia”). Fonseca chegou a general, destacando-se nos combates de “pacificação” na Guiné Portuguesa (1908/1909). Esteve também em Moçambique. A sua carreira inclui um invento na área da balística e muitas condecorações, segundo um texto biográfico assinado por Manuel Mendes e datado de 1950 que consta do Arquivo Histórico Militar em Lisboa e que terá sido encomendado ao autor por Jacinto Estrela.

“Há sob os teus dedos condão misterioso

Que arranca lamentos, delirante riso

Das cordas do teu plectro maravilhoso.

E que me transporta célere ao Paraíso”.

Gertrudes Ferreira Lima, que assinava poemas como Humilde Camponesa,em versos dedicados a Viriato da Fonseca. Revista de Cabo Verde, Março 1899.

A biografia de Viriato da Fonseca tem facetas as mais diversas. Teve dois mandatos como deputado (entre 1919 e 1925), quando aparece com destaque numa entrevista no Jornal da Europa, numa edição especial dedicada às colónias: “Cabo Verde e os seus interesses atuais e futuros – os seus recursos e riqueza agrícola defendidos numa entrevista com o ilustre deputado Sr. Viriato da Fonseca”, diz o título. Dirigiu o Rádio Clube Português, nos anos 1930, apoiando o regime de Franco, na Espanha, tendo o papel “deste muito ilustre português de cor” sido rememorado em 1961 em Angola – já em plena guerra colonial – com a criação, pela Rádio Clube local, de um prémio para “atos de heroísmo de portugueses de quaisquer raças em quaisquer territórios lusos”, lê-se no documento do Arquivo Histórico Militar português.     

Em outra vertente, iremos encontrá-lo, aos 74 anos e já reformado, residente em Paço d’Arcos, a integrar em 1938 a comissão que expôs ao ministro da Educação os inconvenientes do encerramento do liceu de São Vicente, conseguindo a sua reabertura. Provavelmente a sua carreira militar ao serviço do colonialismo pesou, com as transformações políticas no arquipélago, para que esta figura histórica, que já em 1902 era considerada ilustre, caísse num completo esquecimento, apesar da sua fotografia afixada por muitos anos no saguão da Câmara Municipal da Ribeira Grande, na Ponta do Sol. A seguir à independência, o quadro foi retirado, mas alguns anos depois voltou ao seu lugar.

Para saber mais

Os Generais do Exército Português. III Vol. Da Monarquia à Actualidade. I tomo. Biblioteca do Exército, Lisboa, 2008.

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