Celina Pereira

Por GN em

Celina Pereira. Fonte: Página Celina Pereira, Facebook

Maria Celina da Silva Pereira

Sal-Rei, Boa Vista, 1945 – Lisboa, 2020

Cantora

Cantora e contadora de histórias. Com estas duas vertentes da sua carreira artística, Celina Pereira exercitou a sua vocação de educadora e de militante pela defesa da memória cultural de Cabo Verde. Quando decidiu gravar o seu primeiro LP, foi pesquisar mazurcas antigas para resgatá-las do esquecimento. Anos depois, residindo na região de Lisboa, dedicou-se a contar histórias tradicionais em escolas com grande número de filhos de imigrantes, para que as novas gerações as conhecessem, e para defender a diversidade cultural. Esse trabalho foi reconhecido com prêmios e distinções. Foi uma das primeiras pessoas a falar na possibilidade de a morna vir a ser património mundial.

Na sua infância, havia músicos do lado do pai e da mãe. O avô paterno, Porfírio Pereira Tavares,  padre com formação musical erudita, tocava vários instrumentos e transmitiu aos filhos esse conhecimento. Do lado materno, há a registar o seu tio Ramezinho, autor de Boa Vista nha terra, que virá a ser o título do primeiro single de Celina. Ainda criança, muda-se para São Vicente, onde se dá uma reviravolta religiosa na família que irá influenciar o despertar musical da jovem Celina: muito doente, o avô é levado às sessões do centro do Racionalismo Cristão, algo mal visto pela Igreja Católica. Ao falecer, é-lhe recusado o funeral católico e o cumprimento do seu desejo de ser enterrado com os paramentos de sacerdote. Há um corte com esta religião e uma aproximação à Igreja do Nazareno, protestante. Nesta, com um culto alegre em que a música tem papel de destaque, Celina começa por integrar o coro infantil, vindo a ser solista entre os 11 e os 19 anos. “Foi uma descoberta muito proveitosa. Para além de conhecer instrumentos que não estávamos habituados a ouvir na Igreja Católica, descobri todas aquelas cantoras negras americanas do gospel”, contava.

Na década de 1960, forma-se como professora, em Viseu,  e regressa a Cabo Verde, onde leciona por dois anos, antes de partir novamente para Portugal para estudar línguas e começar a trabalhar na TAP, empresa em que ficará até 1996. Enquanto isso, vai cantando de maneira informal, inicialmente sem grandes ligações ao meio musical. Em 1976, grava o seu primeiro single.

É com Estória, estória… No arquipélago das maravilhas, de 1990, que dá a conhecer o seu lado de contadora de histórias. O disco – que já pela capa, ilustrada pelo pintor David Levy Lima, revela um extremo cuidado de produção – contou com a cumplicidade de Paulino Vieira a recriar o ambiente de uma roda de crianças a ouvir histórias do folclore cabo-verdiano, intercaladas com temas cantados e instrumentais. Reeditado mais tarde em CD e em formato audiolivro (livro/cassete), este trabalho trouxe vários prémios à cantora, na Itália, em Portugal e nos EUA, onde, no estado do Massachussets, veio a ser utilizado no ensino bilingue. “Através deste disco, fui parar à educação multicultural.” Alinhando com a filosofia do pedagogo e violinista Yehudi Menuhin de combater a agressividade nas crianças através das artes, Celina Pereira propôs contar histórias, sobretudo nas  escolas em que as diferentes origens dos alunos tendem a gerar conflitos e discriminação racial. Um segundo projeto discográfico neste âmbito resulta, em 2004, em Do Tambor a Blimundo (livro/CD).

Na década de 1990, Celina Pereira atua como jornalista na Rádio Renascença, produzindo e apresentando o programa Renascença em África. E afirma-se como cantora – sem o rótulo “cabo-verdiana”. “Posso cantar um gospel ou um tema de jazz, não tenho que diminuir o meu campo de ação. Se sou cantora, posso cantar qualquer forma musical do 15mundo”, dizia. Mas é com músicas da sua ilha natal e para preservar o legado dos seus compositores que, em 2013, começa a prepara a edição de um álbum que veio a sair em 2019: Areias mornas de Bubista.

Desde que se fixou em Portugal, Celina Pereira tem sido uma militante da comunidade cabo-verdiana aí residente, tendo sido sócia fundadora de várias associações. Em 2003, no Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, foi condecorada pelo então presidente português, Jorge Sampaio, com a Medalha de Mérito, grau de comendadora. Recebeu o prémio Carreira nos Cabo Verde Music Award em 2014.

Discografia

  • Boa Vista nha terra, EP, e/a, Lisboa, 1978. (e na compilação Cabo Verde 82).
  • Mar azul – abri’m camim cantá mudjer’s, 1985 (participação em duas faixas).
  • Força de cretcheu, LP, e/a, Lisboa, 1987.
  • Estória,  estória… No arquipélago das maravilhas, LP, e/a, Lisboa, 1990. Em CD: Movieplay, 1999, patrocinado pelo Ministério da Cultura de Cabo Verde. Audiolivro: CIES, Roma, 1995.
  • Nos Tradiçon (compilação com temas de Estória Estória… e Força di Cretcheu), CD, Lusafrica, Paris, 1994.
  • De lá para cá, Henry Records/New Morning Media, Hamburgo, 1998.
  • Harpejos e gorjeios, CD, Sonovox, Lisboa, 1999.
  • Estória, Estória… Do Tambor a Blimundo, CD/livro, Tabanka, Roma, 2005; reeditado pela Publicar Lda., Lisboa, 2010.
  • A sereia Mánina e os seus sapatos vermelhos, CD/livro, Ed. Novembro, Lisboa, 2018; ed.bilingue português/cabo-verdiano e versão braille para as duas línguas.
  • Areias Mornas de Bubista, edição da autora, Lisboa, 2019.
  • Participação no CD Meninos d’ ouro, 1991, de Raul Indipwo.
  • Participação no CD Todos diferentes todos iguais (vários artistas), 1998.
  • Participação no CD Lusofonia, 2000, de Martinho da Vila.
  • Participação no CD Deidda interpreta Pessoa, 2001, do italiano Mariano Deidda.
  • Participação na compilação Chi vuole fiabi, chi vuole… Voci e narrazioni di qui e d’altrove, CD, IDEST, Florença, 2002.
  • Participação no CD Dedo d’alma, 2003, do guitarrista português Silvestre Fonseca.

Ver e ouvir

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