Bana

Por GN em

Adriano Gonçalves

Mindelo, São Vicente, 1932 – Lisboa, 2013

Cantor

Bana, no auditório da RDP, Lisboa, 2004.
Foto: Gláucia Nogueira

Bana, considerado “o maior intérprete da morna e da coladeira”, géneros a que se dedicou na sua carreira de mais de 50 anos, está entre os artistas cabo-verdianos com mais  extensa discografia. Era um verdadeiro gigante na estatura, a contrastar com a suavíssima voz. Tinha um estilo de canto muito próprio, intimista e quase falado, por vezes, avesso à grandiloquência comum a cantores da sua geração e até posteriores. Terá aprendido com B.Léza a ser subtil. Bana conta que o compositor – com quem conviveu nos últimos anos de vida – cantava dessa maneira, não porque fosse o seu estilo, mas porque lhe faltava fôlego para manter as notas muito tempo.

Adriano Gonçalves, era um bebé forte ao nascer, pelas mãos de uma parteira amiga da mãe. “Este é um Bana”, disseram, aludindo a Salibana, cantadeira dos velhos tempos do Mindelo, bem fornecida de carnes. E assim ficou. Cresceu numa família humilde, fez serviços braçais na estiva do porto e nos tanques de combustível da Shell. Começou a cantar por volta dos 15 anos, à porta de casa, entre companheiros da sua idade.

A certa altura, em meados dos anos 1950, apareceu no Mindelo um grupo de estudantes portugueses da Universidade de Coimbra – no qual se incluem o futuro jornalista e romancista Fernando Assis Pacheco e o poeta e político Manuel Alegre. “Muita gente era chamada a cantar para eles. Eu, por ser filho de pessoas humildes, descalço, ficava sempre de fora”, contou Bana (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Mas uma noite, na volta para o alojamento, os estudantes ouviram o jovem a cantar, num grupo reunido na praça. A partir daquele momento, chamam-no para todo lado, e até queriam que fosse para Portugal.

Mas é para Dacar que Bana parte, em 1959. E tem sorte, pois não precisou enfrentar trabalhos pesados como inicialmente imaginara. Conseguiu rapidamente contratos para atuações aos fins-de-semana, e a dado momento passou a gerir uma casa noturna, o Saloum Rythm, onde também cantava. É desta época o embrião do grupo Voz de Cabo Verde (Luís Morais, Frank Cavaquinho, Morgadinho, Jean da Lomba e Toy Ramos), criado alguns anos depois na Holanda.

A partir de certa altura, todos esses músicos tocam no Saloum. Bana grava o seu primeiro EP, pela Pathé Marconi, em 1961. Em 1965, partem todos para a Holanda. Trabalham inicialmente numa fábrica, conseguem equipamentos e começam a tocar. Bana grava o seu primeiro LP, Nha terra, acompanhado pelo grupo então denominado Os Verdianos que pouco depois irá aparecer como Voz de Cabo Verde. Na capa, o grupo é identificado como “Conjunto Musical de Luís Morais”.

“Ê ta canta simples sima se tinha menino carregado”.

Orlando Levy em O Arquipélago (27.07.1967)
reproduzindo o comentário de um fã, por ocasião do
primeiro espetáculo de Bana em Cabo Verde

O segundo LP é Pensamento e segredo, de 1966, e por essa altura o cantor começa desentender-se com o grupo. Grava ainda na Holanda o LP Bana à Paris, o primeiro que aparece editado com a etiqueta Voz de Cabo Verde – nome que Bana começou a utilizar nessa altura, vindo mais tarde a registar em Portugal, mas que nada tem a ver com o grupo musical. Em 1968, fica alguns meses nos EUA, onde lança Perseguida, LP gravado em Portugal, com a participação de Luís Morais.

Ilustração da autoria de Vuca Pinheiro, O Arquipélago, 1967

A partir dessa altura, Bana passa alguns anos em idas e vindas entre Lisboa e S. Vicente. Fixando-se definitivamente em Lisboa, o cantor abre uma loja de discos e mais tarde uma casa noturna. Este estabelecimento, 30 anos depois, ainda era conhecido como “Bana”, apesar das diferentes gerências e designações que teve ao longo do tempo – Pilon, Enclave e outros.

A partir do início dos anos 1970, Bana vai gravando sucessivos LP, com o grupo que denomina Voz de Cabo Verde (II), pelo qual vai passando, ao longo de uma década, toda uma nova geração de músicos – Paulino Vieira, Armando Tito, Leonel Almeida, Piúna, Cabanga, John, Bebeth, até chegar, já nos anos 1980, a Zé António, Toy Vieira e Tito Paris.

Bana irá editar discos até o final da década de 1980, utilizando, para além da etiqueta Voz de Cabo Verde (VCV), os nomes Discos Mindelo e Discos Montecara (DMC). Com o selo VCV saem 36 LP e vários EP, do próprio Bana, do Voz de Cabo Verde (II), de Luís Morais e vários outros artistas como Nho Balta, Black Power, Norberto Tavares, Marino Silva e Chico Serra, além de algumas compilações.

Discos Montecara, por sua vez, nome utilizado de finais dos anos 1970 até metade da década seguinte, aparece em 34 títulos. Leonel Almeida, Paulino Vieira, Jacqueline Fortes, Longino e Djosinha são alguns dos artistas com obras lançadas por esta etiqueta, enquanto com a denominação Discos Mindelo foram editados, na segunda metade dos anos 1980, cerca de uma dezena de álbuns, entre eles o primeiro LP de artistas como Fantcha, Dudu Araújo, Tito Paris e Cesária Évora. Na sua faceta de editor, Bana foi o responsável por grande parte dos cerca de 150 LP de música cabo-verdiana editados em Portugal entre o fim dos anos 1960 e 1990, rivalizando com os selos Iefe, Arsom, Do-La-Si e Electromovel. 

Logotipo da editora Montecara: a faceta de editor de Bana

Ao longo da sua carreira como intérprete de mornas e koladeras, Bana editou cerca de 45 títulos, entre EP, LP e CD. Contudo, alguns contêm gravações repetidas, mesmo quando não apresentados como compilações, o que dificulta um exato conhecimento da sua produção. A ausência de datas em grande parte dos discos faz com que seja meramente aproximativa, quanto a este aspeto, a lista dessas obras.

Além de ter sido o principal intérprete de B.Léza e Manuel d’ Novas, Bana contribuiu para dar visibilidade a compositores como Dionísio Maio, Djô d’ Eloy, Luís Lima, Kalú Monteiro e Djim Job. Como compositor, tem uma morna, em parceria com Morgadinho, intitulada “Bela”, que gravou em Bana à Paris.

Bana por várias vezes se despediu do palco e dos estúdios e a eles sempre regressou. Comemorou os seus 50 anos de carreira em 1999, com um espetáculo no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, tendo como convidados especiais Maria João e Mário Laginha, do que resultou um disco duplo.

Em 1992, Bana foi galardoado em Portugal pelo então presidente da República Mário Soares com a Ordem Oficial de Mérito.

Discografia

  • Nho Ntone/Eternidade, EP, Pathé Marconi, Dacar, 1961.
  • Nha terra Cabo Verde, LP, Casa Silva, Roterdão, 1966.
  • Pensamento e segredo, LP, Casa Silva, Roterdão, 1966.
  • Problema, EP, Casa Silva, Roterdão, 1967.
  • Bana à Paris, LP, VCV, Lisboa, 1967.
  • Perseguida, LP, VCV, Lisboa, 1968.
  • Merecimento de mãe, EP, Morabeza Records, Roterdão, [déc. 1960].
  • Tra-tra-tra, EP, Morabeza Records, Roterdão, [déc. 1960].
  • Consolo di nha vida, EP, Morabeza Records, Roterdão, [déc. 1960].
  • Mar di furna, EP, Casa Silva, Roterdão, [déc. 1960].
  • Mornas e coladeiras, EP, [?], [déc. 1960].
  • Um vez São Cente era sabe, EP, Morabeza Records, Roterdão, [déc. 1960].
  • Bana, EP, VCV, Lisboa, [?].
  • Bana, EP, VCV, Lisboa, [?].
  • Bana, EP, VCV, Lisboa, [?].
  • Bana, EP, VCV, Lisboa, [?].
  • Pilon iletrico, EP, VCV, Lisboa, [?].
  • Merecimento de mãe, LP, VCV, Lisboa, [déc. 1960].
  • Nô bem ovi Bana, EP, VCV, Lisboa, [déc. 1960].
  • Só coladeiras (compilação), LP, VCV, Lisboa, [déc. 1970].
  • Coladeiras, EP, Phillips, Lisboa, [déc. 1970].
  • Morabeza, LP, VCV, Lisboa, [déc. 1970].
  • Miss Unidos, LP, VCV, Lisboa, 1973.
  • Antono esquederode, LP, Phillips, Lisboa, 1973.
  • Bana/Luís Morais, LP, VCV, Lisboa, 1974. Com Luís Morais.
  • Bana e Paulino, single, VCV, Lisboa, 1975. Com Paulino Vieira.
  • Grito d’ povo, LP, VCV, Lisboa, 1976.
  • Cidália, LP, DMC, Lisboa, 1978.
  • Contratempo, LP, DMC, Lisboa, 1979.
  • Teresa, LP, DMC, Lisboa, 1980.
  • Recordando, LP, VCV, Lisboa, 1980.
  • Rotcha-nú, LP, VCV, Lisboa, 1981.
  • Bana, LP, DMC, Lisboa, 1981.
  • Dor di nha dor, LP, DMC, Lisboa, 1982.
  • Solidão, LP, DMC, Lisboa, 1982.
  • Gardénia, LP, Discos Mindelo, Lisboa, 1985.
  • X aniversário da independência de Cabo Verde, LP, Secretariado Administrativo de SV, S. Vicente, 1985.
  • Bana, LP, Discos Mindelo, Lisboa, 1989.
  • A Voz de Cabo Verde (compilação), CD, Movieplay, Lisboa, 1991.
  • Ritmos de Cabo Verde (compilação), LP, VCV, Lisboa, 1991.
  • O Encanto de Cabo Verde (compilação), CD, Movieplay, Lisboa, 1992.
  • Bana canta a magia de Cabo Verde (compilação), LP, Riso e Ritmo Discos, Lisboa, 1992.
  • Girassol, CD, Vidisco, Lisboa, 1997.
  • Ao vivo (Coliseu), CD, Vidisco, Lisboa, 1999.
  • Livro infinito, CD, Movieplay, Lisboa, 1999.
  • Clássicos da Renascença, vol. 89, Movieplay, Lisboa, 2000.
  • Mornas inesquecíveis, CD, [?], Lisboa, 2001.
  • Canto d’ amores, CD, Zona Música, Lisboa, 2002.
  • Bana, 80 anos a cantar Cabo Verde (compilação), CD, SA, Amadora, 2013.
  • Êxitos do Bana e Voz de Cabo Verde (compilação), CD, [?], Lisboa, [?].
  • Participação no LP Reencontro, 1982. Com Luís Morais Leonel, Morgadinho, Djosinha, Paulino Vieira, Bebeth, Zé António e Chico Serra.
  • Participação na compilação Cabo Verde 82, LP, 1982.
  • Participação na compilação Coladeras (Os melhores de Cabo Verde), LP, [?].
  • Participação na compilação Putumayo presents Cape Verde, 1999.
  • Participação no CD Ao vivo no B.Léza (vários artistas), 2003.

Para saber mais

Bana, uma vida a cantar Cabo Verde (2008), biografia de Bana, da autoria de Raquel Ochoa. Ed. 2008


Ver e ouvir

error: Content is protected !!