Manuel Clarinete

Por GN em

Manuel Clarinete no Festijazz, Mindelo, 2003. Foto: Gláucia Nogueira

Manuel Correia da Silva

Praia, Santiago, 1933 – Praia, Santiago, 2006

Compositor, instrumentista (sopros), regente de banda 

Regente da Banda Municipal da Praia por 32 anos, aquele que veio a ser conhecido pelo nome do seu instrumento passou a infância em São Vicente, porque o pai trabalhava na Polícia e fora transferido para esta ilha. Em 1948, quando Nho Reis (José Alves dos reis) decide formar uma nova banda, substituindo músicos antigos, o jovem Manuel era aprendiz numa oficina de serralharia e mecânica. Com os colegas, vai para as aulas de música após o trabalho – é da mesma geração de Morgadinho, Manuel Tidjena e Duca de Nho Pitra. “Saíamos às cinco horas e íamos diretamente para a casa do Sr. Reis, perto da Praça Nova. Naquele tempo, era rua Infante D. Henrique. Era todos os dias, até às oito da noite”, conta o músico em depoimento a Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens. Essa banda, com 36 elementos, estreou em abril de 1950, no dia da Páscoa. O mestre dividiu a banda em três partes e escolheu três dos melhores músicos para coordená-las e, ainda que novatos, ensinar aos outros: o naipe dos instrumentos baixos (contrabaixos, barítonos, trompas) ficou com Manuel, enquanto Duca de Nhô Pitra assumia os trombones e Ildefonso ficava com os clarinetes.

Mas o jovem, que nessa época tocava requinta (um clarinete pequeno, que também lhe deu a alcunha de Manuel Requinta), começou a tocar em bailes e por isso, aos domingos, faltava. O Sr. Reis, naturalmente, não gostava. “A gente, quando faltava, tinha de ir justificar, numa espécie de tribunal, arranjava-se um escrivão, a gente ia depor, dizer o motivo da falta, etc. Então fizeram isso umas três ou quatro vezes e decidi sair”. Isso foi em 1952, altura em que o pai, já reformado, decidiu voltar para Santiago e não o deixou ficar no Mindelo. Entretanto, Jorge Cornetim, que estava a reger a Banda Municipal da Praia, ao saber da chegada do rapaz convida-o para integrá-la. “Cheguei no dia 10 de julho de 1952, e já no dia 13 toquei pela primeira vez na praça”, relatou, demonstrando a sua memória prodigiosa para datas e pormenores. Mas o pai exigiu que ele tivesse um trabalho, ficar só a tocar não podia. “Jorge Cornetim contacta uma pessoa da Câmara para me arranjar um emprego, e aí fiquei sempre lá. Nunca trabalhei noutro sítio.”

Quando Jorge Cornetim foi para São Vicente em 1967, após a morte do Sr. Reis, o contramestre Eugénio Varela assumiu a direção da banda. Certo dia, em 1971, o sargento português Joaquim Safara estava na praça a ouvi-la. No fim da apresentação, apresentou-se ao contramestre, disse que era músico e que estava a faltar qualquer coisa à banda. “Com quem é que devo falar?”, perguntou. “Indicamos para falar com alguém na Câmara, ele foi. Foi uma iniciativa dele, não tinha vindo para reger a banda”. Safara fica como regente até janeiro de 1973 e, ao partir, indica para ficar no seu lugar o nome de Manuel Clarinete, que era funcionário na área da fiscalização: “Passei, assim, a ser músico a tempo inteiro.”

Cesário Duarte e Manuel Clarinete, membros da Banda Municipal da Praia, década de 1950. Imagem cedida por Cesário Duarte

Em 1980, foi a Portugal, para uma formação na banda da Guarda Nacional Republicana (GNR) que deveria durar quatro anos. Contudo, ao observar o músico cabo-verdiano, o chefe da banda pergunta-lhe onde tinha estudado. “Eu disse: em Cabo Verde. Ele perguntou: mas lá há um conservatório? Eu disse que não. Então, como é que o Sr. aprendeu? Eu disse: eu estudo. Porque na banda só se aprende a tocar, não há teoria. Mas eu sempre li, tinha muita prática de instrumento, e uma coisa que ajuda muito é escrever música. Há pessoas que só leem música mas não escrevem”, refere. Menos de um ano depois dizem-lhe que não tem muito a aprender e que se quiser pode partir. Então, voltou e deu início a uma renovação nos membros da Banda Municipal da Praia. Como estas corporações sempre passaram por altos e baixos, também na sua gestão haverá maus momentos. No fim da sua vida, Manuel Clarinete manifestava o desgosto que sentia por não tocarem mais aos domingos na Praça Alexandre Albuquerque, e pela desatenção da parte das autoridades municipais da época. Por falta de bancos para os músicos se sentarem, deixou de haver música no coreto.  

Foi com Manuel Clarinete, enquanto dirigente da banda, que vários instrumentistas da Praia iniciaram-se nos sopros – por exemplo, Nhela Sax, Totinho, Casimiro Tavares, Iduíno e o seu próprio irmão, Chala. Noutra vertente, refira-se que o artista fez parte, no início dos anos 1970, d’Os Apolos e, antes disso, integrou o grupo Oriundos de Santiago.

Como compositor, as sua criações mais emblemáticas são a morna “Laura”, gravada por vários artistas ao longo do tempo “Midjo Branco”.

Por vezes as suas composições aparecem com diferentes autorias (J. Tavares, na gravação de Vickie Vierra; Manel d’Nha Mendi, na d’Os Apolos) ou como popular, caso da gravação de Fernando Quejas. Alguns dos seus temas o autor nem chegou a saber se foram gravados: “O meu mal sempre foi que eu fazia a música para tocar, porque eu tocava todos os sábados, todos os domingos, e o reportório aqui na Praia não era muito, por isso eu criava música”, explica (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens), para justificar que, apesar da sua memória excecional, não fosse capaz de recordar todas as suas composições tão bem quanto se recordou sempre das datas que marcaram os seus 55 anos de banda.

Composições

Laura; Midjo Branco; Mata sodadi; Nossa Senhora da Graça; Pick-nick; Tempo perdido.

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