Ladainhas

Por GN em

Pintura alusiva à ladainha na aldeia dos rabelados, da autoria de Tchetcho

Por Gláucia Nogueira

As ladainhas da tradição católica são invocações, algumas com nítido caráter místico e poético, dirigidas a Deus, à Virgem e aos santos. A palavra vem do grego litaneía, pelo latim litanīa, e tem o significado de “oração”.

Flyer de divulgação da apresentação dos cantadores de ladainha, 2009

Em 2009, o Centro Cultural Português (CCP) , na Praia recebeu um grupo de cantadores de reza de Tchom Bom (em Santiago, as ladainhas são chamadas reza). Os cantadores Punoy, Camilo, José e Luís, deslocaram-se do Tarrafal à Praia para interpretar, pela primeira vez num palco, excertos de ladainhas como “Perdonu mio Diu”, “Kyrie Eleison”, “Gloria”, entre outras. A atuação foi gravada para uma eventual posterior edição, o que não se concretizou até ao momento.  

A reza é cantada em latim, misturado com português e cabo-verdiano, e uma sessão completa pode durar até oito horas. Como o CCP refere num documento de apresentação do evento de 2009, a prática da reza tem vindo a ficar cada vez mais confinada ao interior da ilha, longe do conhecimento das gerações mais novas.

Na atualidade, as ladainhas acontecem praticamente só na chamada bespa (véspera), o sétimo dia de luto, embora possa ter como objetivo a ação de graças, a invocação da proteção divivina em caso de doenças, entre outros.

Exemplos de registos de ladainhas encontram-se, por outro lado, nos arquivos resultantes das recolhas realizadas na década de 1990 por Jean-Yves Loude, antropólogo francês que percorreu o arquipélago com a sua equipa de gravações registando diferentes expressões musicais. O acervo resultante desses registos encontra-se depositado no Arquivo Nacional de Cabo Verde mas nunca foi disponibilizado para consulta.

Ladainha dos rabelados de Espinho Branco, Santiago

Outro registo de ladainhas, este sim editado em disco, foi aquele realizado na aldeia dos rabelados de Espinho Branco, na ilha de Santiago. Por iniciativa da ativista cultural e artista plástica Misa Kouassi, os cantos foram gravados e editados em 2004 no CD intitulado Cânticos Sagrados de Cabo Verde – A Ladainha dos Rabelados (edição da Associação Abi-Djan).

O disco traz um livrete com a história dos rabelados e um texto explicativo de cada cântico em francês e português, que foram elaborados por Misá e Nho Agostinho, à época chefe da aldeia dos rabelados de Espinho Branco.

“São orações feitas em comunidade, à noite, em frente a um altar – uma mesa coberta por um pano branco, com uma cruz também envolta em tecido branco. A vela acesa confere à barraca um ambiente solene. As vozes dos fiéis, de diferentes timbres, parecem um choro sem fôlego”, lê-se no livrete.

Outra possibilidade de ouvir um excerto de ladainha é no CD Dez granzin di terá (da editora portuguesa Tradisom, lançado em 1998) e que pode ser encontrado online. A gravação é da “Ladainha a Nossa Senhora” interpretada pelo Grupo de Djonça di Nha Dionísia, em São Domingos, Santiago.

Ladainha recolhida em São Domingos, Santiago

A gravação mostra uma ladainha de ação de graças, cantada e rezada por cinco homens e presenciada por várias pessoas. Normalmente, lê-se no livrete do CD, “realiza-se por encomenda de uma família, na divisão principal da casa, e é motiada pela fé depositada no poder protetor da oração”. Para a sua realização, arma-se um pequeno altar com velas e imagens de santos, e cadeiras são colocadas no espaço para acomodar os participantes.

O canto em cabo-verdiano, além de em português e latim, refere o texto, revela a apropriação popular de uma tradição da Igreja Católica, e a polifonia vocal que caracteriza a ladainha atesta esse facto. Assim, lê-se, “é curioso verificar que este é o único exemplo de polifonia vocal tradicional em Cabo Verde, apesar de a igreja católica aí ter tido em funcionamento dois seminários e algumas igrejas importantes durante vários séculos”.

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Referências:

Cânticos Sagrados de Cabo Verde – A Ladainha dos Rabelados, livreto do CD, Associação Abi-Djan, 2004.

“Mestres vol. II” (nota de imprensa), Centro Cultural Português, Praia, 14.04.2009.

Ribeiro, Jorge C. “Dez granzin di terra” (texto do livreto do CD Dez granzin di terra – A viagem dos sons.  Tradisom, Vila Verde, 1998.

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