Luís Rendall

Por GN em

Luís Rendall, sem data
Fonte: Arquivo Nacional de Cabo Verde

Luís Fernandes Rendall

Mindelo, São Vicente, 1898 – Lisboa, Portugal, 1986

Compositor, instrumentista (violão)

O violonista Luís Rendall é, ao lado dos compositores B.Léza (Francisco Xavier da Cruz) e Eugénio Tavares, uma das grandes referências da música cabo-verdiana do século XX. Como intérprete, deixou reduzida discografia, pelo que seria de esperar pela sua celebridade como solista, mas como compositor deixou um repertório considerável, composto por mornas, valsas, foxtrotes e boleros, entre outros géneros, o que revela a sua sintonia com a música que se produzia fora de Cabo Verde no seu tempo e as novidades que as tripulações de navios, em especial os brasileiros, introduziam no arquipélago.

A paixão de Rendall pelo violão, aliás, passa em grande medida pela influência brasileira. Foi com um brasileiro chamado João da Mata que Rendall, segundo ele, foi se aprimorando nas cordas. “Os brasileiros não andam sem instrumento a bordo e durante aquelas horas fui aprendendo”, contou. No LP Memórias de um violão (1988), em que fala da sua “loucura pelo violão”, consta o seu depoimento a recordar João da Mata, que disse em tom de brincadeira, ao ouvi-lo tocar: “Se você continuar, um dia aprende…”.

Em 1914, com 16 anos, eu era guarda-fiscal. Em todos os barcos onde eu permanecia em serviço encontrava um brasileiro que sabia tocar. Isso criava-me o desejo de aprender.

Luís Rendall, em entrevista ao Voz di Povo (26.05.1984)

Aos 7 anos Luís Rendall já andava à volta do violão, em São Vicente, e depois na Boa Vista, onde passou um período da sua infância e onde iria mais tarde viver muitos anos, exercendo a profissão de faroleiro. A solidão que caracteriza este cargo terá sido, possivelmente, um fator de aprimoramento do músico, e terá também favorecido a composição. Ponta do Sol (Santo Antão), Morro Negro e ilhéu de Sal-Rei (na Boa Vista) e São Pedro (em São Vicente) foram alguns dos locais onde teve a responsabilidade do funcionamento de faróis de sinalização para a navegação. Em 1930, casou-se, na Boa Vista, e foi aí que nasceram os seus seis filhos. Antes disso, em 1921, trabalhara como contínuo do liceu Infante D. Henrique, de acordo com a sua entrevista ao Voz di Povo, e apadrinhara a entrada do seu amigo B.Léza naquele estabelecimento, naquela época acessível apenas à elite.

Luís Rendall, que estudou solfejo e terá passado para a partitura a quase totalidade das suas composições, integrou a certa altura a Banda Municipal de São Vicente.

 Em 1934, o governo português realiza uma Exposição Colonial na cidade do Porto, para a qual Cabo Verde envia como representação (à parte produtos como café e grogue, entre outros) um grupo liderado por Luís Rendall, que atuará diariamente no pavilhão dedicado ao arquipélago. O grupo teve direito a fotografias nas primeiras páginas dos principais jornais da época.

Cerca de 30 anos depois, Rendall será novamente convidado para mostrar a música cabo-verdiana em Portugal. Em 1962, sob a designação Conjunto de Cabo Verde, segue acompanhado de Taninho, Celso Estrela, Agostinho Fortes, Titina, Arlinda Santos, Djosinha e Mité Costa. Durante um mês, o grupo percorreu Portugal do Minho ao Algarve, atuando em casinos e outras grandes salas, numa promoção da Agência Geral do Ultramar.

Luís Rendall com o grupo de músicos e dançarinas que em 1934 participou na Exposição Colonial, nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto. Fonte: O Ultramar (01.07.1934).

A partir dos anos 1960, Rendall divide-se entre o Sal, São Vicente e Lisboa, locais onde residem os filhos e netos. Em 1965, são editados pela Casa Silva, em Roterdão, dois EP em que Rendall, o filho Djon e Frank Cavaquinho acompanham Cesária Évora, naqueles que são os primeiros discos a veicular a voz da futura diva. Intitulam-se Mornas de Cabo Verde, mas apenas um contém uma única morna, sendo koladeras a maior parte dos temas. Rendall comparece com dois solos num dos discos e um no outro. Por volta de 1970, em Lisboa, o músico encontra-se em intensa atividade: com Frank Mimita anima bailes e participa em algumas sessões de estúdio, como a gravação do EP Judith (1970) de Djack Monteiro.

Contudo, é por vezes veiculada a informação de que Luís Rendall não gostava de microfones – daí a gravação doméstica que originou o LP Memórias de um violão. Possivelmente – pois afinal, não foram assim tão raras as ocasiões em que esteve em estúdio e em palco – a distância do microfone terá a ver mais com a redução da destreza nos seus últimos anos de vida, que já não lhe permitia tirar do seu querido “pedacinho de pau”, como chamava o instrumento, o mesmo som de outros tempos. Ele próprio o disse ao Voz di Povo: “Com 86 anos jurei não tocar mais para ninguém. Não tenho confiança na execução.”

O LP Memórias de um violão foi uma iniciativa de João Freire, antigo militar português que viveu no Sal no princípio dos 1960, e resulta de gravações informais, feitas em 1983, na casa de uma filha de Rendall, acompanhado por Armando Tito. Mais tarde, no momento da edição do LP, incluiu-se o acompanhamento pelo filho Nelson e a percussão, por Djini Ribeiro. Posteriormente, a reedição em CD, traz a gravação original.  

Outros itens na discografia a solo de Rendall são um ou dois EP gravados em Portugal, um disco que segundo algumas fontes teria sido gravado no Mindelo, por volta de 1938, e prensado na Europa mas relativamente ao qual só se encontram alusões vagas, e o LP Cabo Verde e o seu grande compositor Luís Rendall, de reduzidíssima circulação, sem data, que terá sido gravado nos anos 1970. Ainda neste âmbito, refira-se que em abril de 1979 Rendall deslocou-se à Praia, a convite do então primeiro-ministro Pedro Pires, para gravar. Djick, Hermano e Jaime do Rosário acompanharam-no na gravação de cerca de 20 temas. A elaboração da capa do álbum ficaria a cargo de Renato Cardoso. Este projeto acabou por não se concretizar, e aparentemente as gravações extraviaram-se.

Ao longo dos cerca de 30 anos na Boa Vista, o violão foi sempre um elemento importante no seu dia-a-dia. Consta que na década de 1950, na Povoação Velha, com o violinista João Severo, dinamizava um círculo musical, pontificando em bailes e tocatinas, que foi uma escola para muitos jovens que viriam a ser grandes nomes da música instrumental cabo-verdiana, como  Tazinho e Taninho. De outra geração, músicos como Antero Simas e Voginha reconhecem a influência do músico. Sérgio Figueira, por sua vez, no grupo Fogo di Mar, que criou com músicos portugueses, trabalhou sobre composições de Rendall, o que resultou no álbum Homenagem a Luís Rendall vol. 1 – Um tarde k pa’Lis (2010).

Composições

Perseguida; Tartaruga/Funk Palina; Maria Alice; Fox Lumy; Dr. Albertino; Milu/Baião Miluzinha; Sal-Rei; Dorys; Solo de violão; Solo de violão; Pombinha squiba; Solo em La maior; Pomba Mansa; Dadóia; Saiona d’vinte ano; Miquinha; Zenaida; Perã; Carlina; Tia Armanda; Avelino Barreto; Solo Rendall in A; Bolero Djo de Veríssimo; Morna mornegro/Morro negro; Terêncio; Djone; Marlene; Zinda; Cara d’santa. 

Discografia

  • Mornas de Cabo Verde, EP [110 506 E], Casa Silva Roterdão, 1965. Com Djon Rendall e Frank Cavaquinho, a acompanhar Cesária Évora. Luís Rendall sola dois temas da sua autoria.
  • Mornas de Cabo Verde, EP [110 507 E], Casa Silva Roterdão, 1965. Com Djon Rendall e Frank Cavaquinho, a acompanhar Cesária Évora. Luís Rendall sola um tema da sua autoria.
  • Música de Cabo Verde – Luís Rendall e o seu violão, EP, Alvorada, Porto, 1972.
  • Cabo Verde e o seu grande compositor Luís Rendall, LP, e/a, [déc. 1970].Memórias de um violão, LP, Associação de Amizade Portugal-Cabo Verde, 1988, reeditado em CD com o título Guitarra e mi, 2006.

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