Mochim d’Monte

Por GN em

Zeferino José Andrade

Santo Antão, [?] – Mindelo, São Vicente, 1963

Instrumentista (violino)

No tempo em que os bailes eram com valsas e mornas, tocadas por grupos acústicos em que o violino era o solista, Mochim d’Monte era dos mais requisitados músicos no Mindelo. A sua fama ficou registada na imprensa e na literatura, bem como na memória dos que o conheceram. Gabriel Mariano, no conto “O Rapaz doente, ou a conjura”, descreve uma cena quotidiana: “Desceram a rua de Lisboa. No café Royal um grupo de marinheiros bebia e cantava. O conjunto Bali com Mochinho do Monte à rabeca, tocava um swing americano.”

Malaquias Costa foi um dos seus discípulos. “Quando faltava um elemento do grupo, Mochim d’Monte chamava-me, apesar de eu ser ainda um garoto, mas confiava, pois eu já conhecia o seu reportório”, afirmou. Habitualmente, o grupo era formado por duas violas de dez cordas, um violão e um violino. “Naquele tempo não havia barulho, a malta dançava muito animada, mas sem gritar”, recorda Malaquias.

Tal como Teixeira de Sousa descreve no romance Capitão de mar-e-terra: “À noite, no salão de João Bentinho (…) gemia o violino de Mochim de Monte. O violão tonificava a delicadeza da melodia. O cavaquinho marcava a cadência. Os pares suavam na languidez da morna que o tocador aspergia sobre os corações apaixonados”. No livro de Teixeira de Souza, Mochim d’Monte aparece também a participar no grupo Floriano, com B.Léza, na ilha do Fogo, em 1930. O jornal O  Arquipélago (21.11.1963), quando dá a notícia do seu falecimento, define-o como “aquele que foi um dos maiores animadores dos bailes populares e que, em todas as ilhas, cativava o público pela forma como executava as mornas”.

“À noite, no salão de João Bentinho (…) gemia o violino de Mochim de Monte. O violão tonificava a delicadeza da melodia. O cavaquinho marcava a cadência. Os pares suavam na languidez da morna que o tocador aspergia sobre os corações apaixonados”.

Henrique Teixeira de Sousa, em Capitão de mar-e-terra

Certas alusões Mochim d’Monte revelam o ecletismo do seu repertório, caso do “swing americano” e da sua interpretação de “Canção de Solvejg”, de Edvard Grieg, música da peça teatral Peer Gynt, do norueguês Henrik Ibsen, criada em meados do século XIX. Esta referência aparece em Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (março de 1954) num texto reproduzido do jornal português Diário de Notícias.

O texto descreve não só a situação mas o próprio aspeto físico de Mochim d’Monte. A dado momento, “enquanto se deslaçavam os braços dos pares fatigados, começou-se a ouvir um violino (…) Era o Mochinho do Monte, homem do povo, olhos piscos, pequenos que pareciam ver o que não víamos, acariciando, talvez, maravilhas de sonhos que o seu instinto artístico e o perturbador mistério daquela noite acordavam enquanto no violino gemiam os nostálgicos lamentos da ‘Canção de Solvejg’”. Todos se calaram, o baile ficou suspenso, e nesse silêncio, diz o artigo, “Mochinho do Monte – o resto de um cigarro ardendo ao canto da boca emoldurada de pelos ralos e sem alinho – continuava romanticamente as emocionantes e subtis suavidades das íntimas desavenças que subiam, num frémito dominado, da música de Grieg. De súbito, ouviu-se ao longe o navio que chamava”. A caminho do cais, na despedida dos que partiam, “no violino do Mochinho do Monte as harmonias da Manchê já segredavam anúncio de amanhecer”.

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