Nácia Gomi, Nha

Por GN em

Nácia Gomi numa atuação no Centro Cultural Português (2009). Foto: Gláucia Nogueira

Inácia Maria Gomes Correia

Tarrafal, Santiago, 1925 – Praia, Santiago, 2011

Batukadera, compositora de finason

Nha Nácia Gomi é uma referência no mundo do batuku e do finason. A sua história começa ainda menina, quando acompanhava os irmãos mais velhos às aulas de catecismo – único contacto que teve com alguma modalidade formal de ensino, já que nunca frequentou a escola. Depois das aulas, passava o resto do dia a rememorar a doutrina católica e a deixar fluir as suas primeiras criações.

Quando, por volta dos 15 anos, durante uma festa de casamento, entrou no terreiro de batuku pela primeira vez, revelou tal domínio da capacidade de improvisar que surpreendeu a todos – e a si própria, ela irá admitir. A prestigiada cantadeira Nha Tcheca Oliveira tentou inferiorizar a jovem com frases do tipo “quando tubarão entra no porto, chicharro tem de sair…”. Mas, como dizia a própria Nácia Gomi, tereru ka di-meu, ka di-ños (em suma, terreiro não tem dono). Além disso, a mãe a tinha advertido de que rapariga que entrasse no terreiro à noite só poderia sair da roda com o dia claro, para não criar ocasiões para coisas contrárias ao recato. E assim foi: a jovem Inácia cantou até o sol raiar, e desde esse dia não parou mais.

Nácia Gomi e seu grupo de batukaderas, sem data.
Fonte: Un Archipel des Musiques

Na década de 1980, o investigador Tomé Varela da Silva efetuou a recolha das suas cantigas em registo sonoro. Daí resultou um livro, Finasons de Ña Nasia Gomi (1988), que traz, além dos seus dados biográficos, a transcrição das suas cantigas. Esses textos revelam, na forma de máximas, conselhos e reflexões, um universo temático em que, em meio às questões sociais, económicas ou do relacionamento humano, além de momentos de afirmação pessoal, destaca-se a religiosidade. Nácia Gomi muitas vezes cita santos católicos e pede graças e salvação a Ñu San Salbador di Mundu, pelo que se vê que a rejeição do batuku pela Igreja Católica em nada comprometeu a devoção popular.

Embora célebre na ilha de Santiago, convidada com frequência para animar eventos, a sua voz só aparecerá em disco em 1994, com dois trechos de finason num CD editado na Suécia – Music from Cape Verde – que inicialmente só saiu num circuito restrito de distribuição promocional. Passou a estar disponível no mercado em 1998. As gravações, que tiveram a participação de familiares e vizinhas, foram feitas em Ribera Seca. Neste local a matriarca do finason viveu durante anos com o marido, a filha e quatro netos numa casa em condições precárias.

No início de 1997, Nácia Gomi recebeu da companhia aérea cabo-verdiana, com o apoio de algumas empresas e instituições, uma casa de dois pisos na localidade de Achada Fátima, Santa Cruz, pelo seu papel na cultural cabo-verdiana e por ter sido madrinha de um avião adquirido pela empresa. Nesse mesmo ano fica viúva e, cumprindo luto, chega a hesitar sobre a sua participação na representação de Cabo Verde na Exposição Universal de 1998, em Lisboa. Mas, afinal, a vontade de cantar foi maior, e Nha Nácia Gomi representou a si própria no espetáculo Camin di mar, uma opereta produzida pelo grupo Simentera a contar a história da música cabo-verdiana.

Nácia Gomi faleceu de um AVC, aos 85 anos, a 3 de fevereiro de 2011.

Discografia

  • Nácia Gomi cu sê mocinhos, CD, ZO/SA, Amadora, 2000.
  • Finkadus na raiz (com Ntóni Denti d’Oru), AV Produções, 2005.
  • Participação em Music from Cape Verde, CD, Caprice Records, Estocolmo, 1994.
  • Participação em Cap-Vert – Un archipel de musiques, CD, Ocora Radio France, 2000.
  • Parceria e participação vocal com Ferro Gaita em “A’ Nacia Gomi”, CD Rei di tabanka, 1999.

Para saber mais/Composições

Finasons di Nha Nácia Gomi, Instituto Caboverdiano do Livro, 1988. Recolhas de Tomé Varela da Silva.

Ver e ouvir

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