Simentera

Por GN em

Parte dos membros do Simentera: atrás, Mário Lúcio; da esq. para dir.: Quim Bettencourt, Teresinha Araújo, Body (Elísio Faria), Teté Alhinho e Nicola Soares. Fonte: Internet

Grupo, 1992 – 2003

Simentera surge no início dos anos 1990 com a proposta de fazer música acústica com grande impacto vocal, baseando-se no repertório tradicional cabo-verdiano com novos arranjos.

Aparece na sequência de mais de uma década de música baseada em instrumentos elétricos e em que a explosão do funaná do início dos anos 1980 dera lugar a uma presença hegemónica do zouk. Ao mesmo tempo, noutra vertente, “por excesso de conservadorismo e folclorismo, a nossa música estava numa espécie de gueto, era música de salão, sempre a mesma coisa, as mesmas mornas antigas, que podem ser bonitas mas se não a fizermos evoluir, com o tempo teremos uma música de arquivo e não uma música viva”, afirma Mário Lúcio (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens), que em 1991 tinha regressado havia pouco tempo de Cuba, onde participara de um coro universitário, enquanto estudava direito.

Mário Lúcio propôs então a algumas pessoas formarem um grupo coral. Marcado o primeiro ensaio, já havia cavaquinho e violão. “Começamos a fazer arranjos vocais para serem acompanhados pelos instrumentos, a discutir ideias, e eu tinha uma conceção estética de que não deveríamos repetir o que já se estava fazendo”.

Pegamos as nossas músicas tradicionais, que são tocadas nuas e cruas, e damos-lhes o tratamento adequado que lhes permita ter uma audição a nível internacional.

Mário Lúcio, em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens

No início, o grupo integrava quase 20 pessoas, mas ao ser gravado o primeiro álbum a formação é a seguinte: Mário Lúcio (violão, gaita, percussão); Nicolas Soares (violão); Kim Bettencourt (cavaquinho, viola de 10 cordas), Pepey Bettencourt (voz, violão de 12 cordas e viola de 10 cordas), Carlos Gomes (sax tenor, flauta, percussão), Luís Silva “Ginho” (sax alto, percussão), Elísio Faria (percussões) e as vozes, a solo e nos coros (nos quais todos os instrumentistas participam), de Teté Alhinho, Teresinha Araújo e Maria de Sousa. Entre os que fizeram parte do momento zero do Simentera estão ainda, entre outros, Kaká Barbosa, Eutrópio Lima da Cruz, Djick, Tony Lima (que deu o nome ao grupo), Lena França, Arlinda Santos, Arcelinda Barreto e Clarisse Ramos. Por outro lado, na fase final, em que já não estão presentes Nicolas Soares, Ginho e Pepey, há dois novos membros: Meca Lima e Lela Violão.

As primeiras atuações, em 1992, tiveram um impacto positivo, como mostra a imprensa da época, e no mesmo ano o grupo representa Cabo Verde na Expo Sevilha. Em 1994, monta o espetáculo Cidade nos idade, que surpreende por uma produção a que o público local não está habituado, em que se destacam cenários, coreografias e vestuário. Conta a história da música de Cabo Verde desde os seus primórdios, com Ano Nobo, Nácia Gomi e Tchota Suari a representarem os personagens que de facto eram. Esta opereta, que contou com a colaboração de João Pires na produção e Domingos Luísa nos cenários, tem outras versões – em São Vicente é apresentada com o título Terra’l e como Camin di mar é levada à Expo 98, em Lisboa.

Desde os primeiros tempos de existência, o grupo vai atuando em festivais pela Europa, mas suas primeiras gravações são feitas em Cabo Verde. Integram o álbum Music from Cape Verde (que conta também com gravações de Agusto Cego, Nácia Gomi e Tchota Suari/António Sanches), editado na Suécia. É em 1995 que sai o primeiro CD, Raiz, pela Lusafrica, com uma boa repercussão em França entre a crítica da área da world music. Segue-se Barro e Voz, (1997), edição do próprio Simentera, e Cabo Verde em serenata (2000), desta vez pela editora alemã Piranha Musik. Ao mesmo tempo, as tournées levam o grupo para diferentes países europeus, EUA e Brasil. Em São Paulo, partilham o palco do Paulinho da Viola, que virá a participar do último álbum.

Quanto ao repertório, baseou-se sobretudo em mornas, koladeras e funanás, com a gravação de temas bem conhecidos do cancioneiro cabo-verdiano – de B.Léza, Jorge Pedro Barbosa, Mikinha, Ney Fernandes, Manuel d’Novas e Codé di Dona entre outros –, e músicas de Mário Lúcio e Teté Alhinho, que se mantiveram sempre como os compositores do grupo.

Tr’adictional (2003), o último disco, traz uma série de convidados, africanos (Manu Dibango, Touré Kunda, Moussa Cissokho), portugueses (Mário Laginha e Maria João) e o brasileiro Paulinho da Viola. A proposta era mostrar “o percurso de uma identidade”, reunindo “do mais africano ao mais europeu, do mais antigo ao mais moderno”, nas palavras de Mário Lúcio (www.paralelo14.com, 20.05.2003).

Pode-se pensar que o aparecimento do Simentera, que ocorre em simultâneo com a opção acústica da carreira de Cesária Évora, poderá ter influenciado uma revalorização da música acústica em Cabo Verde, levando ao aparecimento de grupos como Cordas do Sol, Djalunga, Serenata, Rabasa e Ferro Gaita, e despertando as ideias que desembocaram na reelaboração do batuku, a partir de meados da década de 1990.

Discografia

  • Music from Cape Verde, CD, Caprice Records, Estocolmo, 1994 (o álbum integra também gravações de Nácia Gomi, Agusto Cego e a dupla António Sanches/Tchota Suari).
  • Raiz, CD, Lusafrica, Paris, 1994.
  • Barro e Voz, CD, ed. do grupo, Praia, 1997.
  • Cabo Verde em serenata, CD, Piranha Musik, Berlim, 2000.
  • Tr’Adictional, CD, ed. do grupo, Praia, 2003.

Ver e ouvir

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