Bulimundo

Por GN em

Bulimundo, década de 1980. Foto cedida pela família de Katchás

Grupo, 1978 – déc. 2000; 2016

O grupo Bulimundo surge, para o público da cidade da Praia, em 1980, no primeiro de  uma série de espectáculos organizados no cineteatro da capital para comemorar os cinco anos da independência de Cabo Verde. Até então, o grupo vinha animando bailes pelo interior da ilha de Santiago e nos bairros periféricos da capital. O grupo teve um sucesso instantâneo, ao apresentar o funaná tocado com instrumentos eléctricos e numa linguagem contemporânea.

O funaná é tradicionalmente tocado com gaita (acordeão diatónico) e uma pequena barra de ferro, o chamado ferrinho. Foi desprezado durante décadas ou mesmo desconhecido dos habitantes dos centros urbanos, pois era uma música do mundo camponês da ilha de Santiago.

O Bulimundo assumiu a missão de cumprir um trabalho de resgate do funaná, retirando-o dos limites do mundo rural. Foi uma verdadeira revolução. O músico e jornalista Carlos Gonçalves, num panorama da música de Cabo Verde que acompanha a compilação Cap Vert: Anthologie 1959-1992, considera que esta foi “a maior conquista da música cabo-verdiana no seu processo de evolução”. Essa consagração do funaná reflete o sentimento nacionalista em alta nesses primeiros anos de Cabo Verde independente.  

“O funaná não trazia simplesmente o sentimento do camponês, mas toda uma forma de pensar ligada à terra, às nossas coisas, àquilo que nos unia…”

Kaká Barbosa, em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens

Mas não fácil logo à partida. Numa entrevista ao Voz di Povo em 1980, Katchás, o fundador do Bulimundo, fala que primeiro foi necessário consciencializar os membros do grupo, “porque havia todo um complexo (…) dado que sempre nos ensinaram que [o funaná] era um género inferior, tocado por pessoas também inferiores, sem nenhuma cultura, sem acesso à música, etc” (Voz di Povo, 15.03.1980).

Ao regressar a Cabo Verde depois de alguns anos entre Portugal e França, Katchás trouxera na bagagem alguns instrumentos e a ideia de formar um grupo musical. Tentou fazê-lo em Pedra Badejo, sua vila natal, criando um grupo chamado Nho Santiago. Uma localidade na mesma área acaba por dar o nome ao grupo. Mas com os músicos disponíveis no local, pescadores e camponeses, dadas as suas prioridades e alguma deficiência técnica, Katchás não conseguiu levar o projeto adiante. Mas conseguiu na Praia, onde encontrou jovens músicos com mais experiência com instrumentos eléctricos. Alguns deles integravam na altura o Opus 7 – José Augusto Timas (bateria), Santos (guitarra) e os irmãos Zeca di Nha Reinalda e Zezé di Nha Reinalda (voz) –, no qual já interpretavam funaná.

Entrevista de Katchás em 1984

Uma das primeiras formações do Bulimundo, segundo Santos, que participou só na fase inicial, integrava, para além dos quatro recém-saídos do Opus 7, Katchás e Kim de Santiago (guitarras), Silva (baixo) e Zé Carabedja (tumba). Tony e Djon (teclas), Lu di Pala (percussão) e Rui Casimiro (bateria) passaram também pelo grupo nesses primeiros tempos, mas os músicos que participam dos dois primeiros LP, Bulimundo e Djam brancu dja, gravados ao mesmo tempo, na Holanda, mas editados em anos diferentes, são: Katchás e Zequinha Magra (guitarras), este último no lugar de Santos; Silva (baixo); Nonó (sax); Timas (bateria); Zé Carabedja (percussão); Patrick (teclados); Zeca di Nha Reinalda e Zequinha (vozes), este último a substituir Zezé (que deixara o grupo logo após o festival) e encarregado das koladeras e mornas, enquanto Zeca interpretava essencialmente os temas de funaná.

No terceiro disco, Batuco, Duka substitui Patrick nos teclados e Amanhã entra no lugar de Zé, na percussão, mas será substituído por Nhelas no disco seguinte, Ó mundo ka bu kaba. Este é o último trabalho discográfico em que Zeca di Nha Reinalda e Zequinha Magra participam. O álbum seguinte, Êxodo, revela mais novidades na formação, como a entrada de Pedrinho de Nha Joana, a reforçar os sopros, Nené (guitarra) e Tey Barbosa (guitarra e teclas) e Zé Mário como vocalista.

“Vai aparecer lugar para novas criações (música e letra) do público camponês ou não (…) não teremos mais uma música funaná para camponeses e morna ou coladeira para os outros”.

Katchás, ao jornal Voz di Povo, 23.04.1981

Com cinco álbuns editados em quatro anos de sucesso, inspirando uma onda de gravações de funaná, o grupo começa a desestabilizar-se.

O álbum Compasso Pilon, que vem a seguir (1984), é o último disco em que Katchás participa. A formação reduz-se, sem Pedrinho, Nené e Timas, este substituído por Jorge Pimpa, e Nené por Óscar Monteiro. Tey acaba por sair também. Katchás deixa o grupo em 1986, levando a um período de impasse. “Continuámos a trabalhar, mas a saída de um elemento como o Katchás não é a saída de um elemento qualquer. Havia que fazer qualquer coisa para tentar recompor a situação e reorganizar o conjunto em moldes que o identificassem com os objectivos do Bulimundo”, relata Óscar (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens, 2016), que assume a direcção artística, enquanto Armando Teixeira trata da gestão.

Em 1991, o título Na kal ki bu ta linha?, gravado no ano anterior, alude à possibilidade de escolher que as primeiras eleições legislativas multipartidárias tinham trazido ao país. Para além de Óscar (guitarra), Silva (baixo), Nonó (sax, clarinete), Jorge Pimpa (bateria, coros), Nhelas (percussão) e os vocalistas Zequinha e Zé Mário, participam desta gravação Zé Lucky (guitarra), Papá (trombone) e Calú d’Arquiteto (teclados). É o último trabalho em que participam Silva e Zequinha (José Maria Correia), este por ter falecido em Outubro de 1997, pouco antes da gravação do disco seguinte, Ta n’deria ma n’ka ta kai, que apresentará uma formação quase totalmente renovada: Óscar e Metchas (guitarra); Zé Mário e Ebrantino (voz); Lobo (bateria); Feliciano (Feel Bass, baixo), Calú (teclado) e Nonó (sax), além de instrumentistas para os sopros contratados para o efeito na Holanda (onde gravaram). Nos coros, estão as novatas Suzanna Lubrano e Milena Tavares. Casimiro Tavares (trombone) e Zazanu (trompete), ambos militares, entram no grupo a seguir à gravação, por um período de menos de dois anos.

Bulimundo entra numa nova fase tecnológica, em que os arranjos são preparados em computador, procurando manter-se fiel aos propósitos iniciais, mas nesta altura o funaná já tinha dado mais uma guinada e o momento é de uma volta às raízes ainda mais radical, com Ferro Gaita a partir de 1997 e outros que colocam a gaita e o ferrinho na ordem do dia. Nessa altura o funaná já não é um regionalismo mas um género musical nacional, duas décadas depois do projeto de Katchás dar os primeiros passos em Pedra Badejo.

Bulimundo prosseguiu até os primeiros anos da década de 2000 com Helder (bateria), no lugar de Lobo; Ulisses Português e Calú nas teclas; Lulan a substituir Feliciano no baixo; e nas guitarras Óscar e Nenê (este no lugar de Metchas). Mantêm-se Nonó e Zé Mário, e há um novo vocalista: Raul. Mas foi uma fase já sem grande atividade, só pontualmente se reuniam.

Depois de mais de uma década sem atividade, em 2016 o grupo renasce. É uma fase em que vários músicos passam pelo grupo, sendo que dos antigos membros contam-se os vocalistas Zeca di Nha Reinalda e Zé Mário (falecido em 2023, pouco tempo após deixar o grupo), o baixista Silva, o tecladista Duka e o saxofonista Nonó. Outros nomes dessa fase: Tey Santos e Jorge Pimpa e Lobo como bateristas, conforme o momento; Manuel de Candinho e Lulan (guitarras), Nenê (sax e guitarra), Nhelas (percussão), Ibrantino (voz).

Bulimundo em 2023: Duka, Silva, Yuri, Zeca, Nonó, Jorge Pimpa e Ebrantino. Foto: Helder Paz Monteiro

Discografia

  • Djam brancu dja, LP, Black Power Records, Roterdão, 1980. Reedição em CD, Sonovox: Funaná Dance vol. 3.
  • Bulimundo, LP, Black Power Records, Roterdão, 1981. Reedição
    em CD, Sonovox: Funaná dance Vol. 2 (sem qualquer indicação do título original e data).
  • Batuco, LP, Black Power Records, Roterdão, 1982.
  • Ó mundo ka bu kába, LP, Black Power Records, Roterdão, 1982.
  • Êxodo, LP, edição do grupo, Praia, 1983.
  • Compasso pilon, LP, edição do grupo, Praia, 1984.
  • Na kal qui bu ta linha?, LP, edição do grupo, Praia, 1991.
  • Ta n’deria ka ta kai, CD, edição do grupo, Praia, 1997. 
  • Bulimundo/Djam brancu dja, CD duplo, Lusafrica, Paris, 2013 (reedição dos dois primeiros álbuns do grupo).

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