Humbertona

Por GN em

Humbertona, s.d. Foto cedida por Humbertona

Humberto Bettencourt dos Santos

Chã de Manuelim, Paul/Porto Novo, Santo Antão, 1940 – Mindelo, São Vicente, 2023

Instrumentista (violão)

Considerado um dos principais solistas de violão de Cabo Verde, toda a sua obra discográfica a solo foi produzida entre 1966 e 1971, altura em que estudava na Universidade de Lovaina, na Bélgica, e iniciava a sua militância no Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Antes disso, participara, a partir de 1964, com os irmãos mindelenses Marques da Silva, no grupo Ritmos Cabo-Verdianos, primeira formação a utilizar instrumentos elétricos em Cabo Verde e que em 1966 foi para Portugal disputar um concurso de ié-ié. Humbertona não voltou para Cabo Verde, mas seguiu para a Bélgica (onde inicialmente cursou agronomia, mas acabou por se licenciar em economia e gestão).

Nesse mesmo ano, em Roterdão, gravou de uma só vez material suficiente para os seus dois primeiros discos, editados pela Casa Silva/Morabeza Records, do seu primo Djunga de Biluca: Lágrimas e dor, que sai em 1967, e Morna ca so dor, de 1969. Irá gravar outros quatro LP, em que os solos de violão têm quase sempre como embalagem capas com textos de cariz político. No último, Dispidida, um texto sem assinatura fala, em cabo-verdiano, da esperança num novo tempo: “Sem kanga, sem mizéria, sem terra-longe, sem sufrimento, enton, nesse nova era keta surgi, tude gente ta kantá I dansá sê morna I sê koladera”.

Stora stora, gravado com o primo Waldemar Lopes da Silva e o brasileiro Marcelo Melo (mais tarde fundador, em Recife, do Quinteto Violado), com temas brasileiros e cabo-verdianos, traz na capa um trecho do poema Os flagelados do vento leste”, de Ovídio Martins, o que, somando-se à fotografia dos dois músicos cabo-verdianos na altura já conotados com a luta pela independência, é motivo para que a PIDE, a polícia política da ditatura salazarista, proíba a entrada em Cabo Verde da capa, mas não do disco. Este raro LP tem outra particularidade: é o único em que Humbertona canta. Ver aqui depoimento de Marcelo Melo sobre a sua ligação musical com Hubertona.

Humbertona toca nos primeiros discos de Bonga (Angola 72 e Angola 74), em Mona Linda e La Violenta, de Luís Morais, e em Mar di Furna, de Bana. E ainda nos dois discos do PAIGC gravados em Roterdão e editados na antiga RDA: Poesia Cabo-Verdiana – Protesto e Luta (1970), em que com Waldemar assegura o fundo musical, e Música cabo-verdiana – Protesto e luta (1973). No período entre o 25 de abril e a independência, de volta a Cabo Verde, participa na gravação de uma cassete com músicas e poemas de intervenção, iniciativa do Grupo de Intervenção Artística (GIA), e toca no grupo Nova Aurora. Mais recentemente, Humbertona fez parte da secção de violões da Orquestra Nacional de Cabo Verde (ONCV).

A seguir à independência, trabalhou na área das pescas, como diretor financeiro da então nacionalizada Congel e depois como diretor nacional do setor. Em 1982 foi nomeado embaixador de Cabo Verde na Holanda, países nórdicos e CEE e, em 1987, nas Nações Unidas, em Nova Iorque, onde permaneceu até 1991. Após a derrota do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) nas eleições desse ano, passou a trabalhar como consultor para organismos internacionais e criou uma escola de informática. Em 2001, assumiu cargo de presidente da Cabo Verde Telecom, onde permaneceu vário anos. Desde o seu período na Holanda, Humbertona foi durante muitos anos cônsul honorário deste país para as ilhas de Sotavento.

Humbertona teve como mestre, ainda adolescente, Malaquias Costa, que o punha a acompanhar mornas, depois de abandonadas as lições de solfejo com o regente da banda municipal, José Alves dos Reis, com quem a mãe estudara piano. A música, aliás, estava na família, já que outro violonista que marcou época, Pipita Bettencourt, é seu tio. E pouco a pouco, com amigos mais experientes e reproduzindo o que ouvia em discos brasileiros, o jovem Humberto ia desenvolvendo o seu talento. Certo dia, o pai – que resistia à ideia de um filho tocador de violão, atividade associada à farra e à vadiagem – foi felicitado por alguém que ouvira o rapaz a tocar. E muito bem. 

Discografia

  • Morna ca so dor, LP, Morabeza Records, Roterdão, 1969. Acompanhamento: Valdemar Lopes da Silva, Toy Ramos e Frank Cavaquinho.
  • Humbertona ma Chico Serra, Morabeza Records, Roterdão, 1969. Em CD: Morabeza Records, 1992.
  • Lágrimas e dor – Mornas dedilhadas por Humbertona, LP, Morabeza Records, Roterdão, 1969. Acompanhamento: Valdemar Lopes da Silva, Toy Ramos e Frank Cavaquinho.
  • Dispidida, LP, MR, Roterdão, 1972. Com Piúna; acompanhamento: Agustin e Frank Cavaquinho.
  • Sodade – Rapsódias de mornas e coladeiras, LP, Morabeza Records, Roterdão, 1973. Com Toy Ramos.
  • Stora stora, LP, Morabeza Records, Roterdão, 1972. Com Waldemar e Marcelo Melo.
  • Dispidida d’sodade, CD, Morabeza Records, Roterdão, 1992 (compilação reunindo temas dos LP Dispidida e Sodade, embora a capa não traga esta informação).

Para saber mais: Matilde Dias entrevista Humbertona


Ver e ouvir

error: Content is protected !!