Reis, Nho

Por GN em

Nho Reis. Reprodução a partir de calendário da Câmara Municipal de São Vicente

José Alves dos Reis

Bolama, Guiné Portuguesa, 1895 – Mindelo, São Vicente, 1966

Regente de banda, professor

Chefe da Banda Municipal de São Vicente durante cerca de 25 anos, José Alves dos Reis formou, na banda e fora dela, mais de uma geração de músicos – Jotamonte, Tututa, Luís Morais, Morgadinho, Manuel Clarinete, Cesário Duarte, Manuel Tidjena são alguns desses nomes –, para além de ter lecionado canto coral no liceu Gil Eanes e na Escola Técnica.

Segundo Félix Monteiro (A Semana, 13.03.1995), o músico chegou em São Vicente, no início dos anos 1930 e abriu uma escola onde lecionava piano, violino e outros instrumentos, tendo mais tarde passado a reger a banda. Nascido em Bolama, na Guiné, o seu pai, militar, era de Santiago e a mãe da ilha do Fogo. Ainda segundo Félix Monteiro, estudara no Conservatório de Lisboa e em Roma, onde teria concluído o curso de piano (Raízes, junho 1984). Consta ainda que estava a caminho do Brasil quando fez escala em São Vicente e a notícia de uma epidemia de febre-amarela naquele país leva-o a decidir não continuar a viagem.

Teixeira de Sousa, em Capitão de Mar-e-Terra, conta assim a sua chegada ao Mindelo: “Apareceu um dia em São Vicente como chuva caindo inesperadamente (…) O aparecimento deste homenzinho na cidade do Mindelo ficou para sempre envolvido em mistério. Sem mulher, nem filhos, sem correspondência no correio, diziam uns que viera da Guiné fugido de perseguição política, outros para se homiziar por crime de outra natureza.” Nho Reis aparece aqui como personagem de uma obra de ficção.

Rigoroso, exigente e conservador, não admitia que os seus pupilos da banda tocassem de ouvido e muito menos que fossem animar bailes, recorda Manuel Clarinete (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens), mais tarde chefe da Banda Municipal da Praia e que começou com Nho Reis o seu aprendizado. Esta descrição é corroborada pelo depoimento do escritor mindelense Nena (Manuel Nascimento Ramos): “Era um homem muito fechado, de pouca fala, não era para leviandades e gargalhadas. Tinha o cabelo grande, uma juba, fumava o seu cigarrinho… E não gostava que os alunos tocassem de ouvido” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Este depositário da memória do Mindelo revelou ter sido difícil encontrar uma fotografia do regente – Nena fez esta pesquisa para o calendário de 1999 da Câmara Municipal de São Vicente, que homenageava personagens da cidade.

Não terá sido imediatamente após chegar a São Vicente que Reis começou a dirigir a banda. Inicialmente, ao que parece, vivia das suas aulas de música. O seu nome aparece na imprensa cabo-verdiana pela primeira vez no Notícias de Cabo Verde em 20.02.1932, a propósito de um concerto de violino e piano que realizou com o violinista americano Spinoza Paeff, no Eden Park. Há várias referências na imprensa a recitais que organizava, com os seus alunos a interpretar compositores eruditos. Teixeira de Sousa, na obra citada, descreve uma dessas sessões, com Schumann no repertório, e o regente – um homem “pequenino, tímido, desajeitado” – a entrar no palco com uma folha de papel numa das mãos e a batuta na outra e a fazer o seu discurso de apresentação com voz soturna e palavras “muito enroladas nos sss que borbulhavam dos lábios como espuma de champanhe”.

“Era um homem muito fechado, de pouca fala, não era para leviandades e gargalhadas. Tinha o cabelo grande, uma juba, fumava o seu cigarrinho… E não gostava que os alunos tocassem de ouvido.”

Manuel Nascimento Ramos “Nena”, em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens

É em novembro de 1942, no mesmo Notícias de Cabo Verde, que encontramos a primeira referência à banda sob a direção de Nho Reis, que na altura projeta, para breve, um concerto de música clássica, que a edição seguinte do jornal também refere. Daí em diante, regeu a banda até o fim da sua vida, para além de lecionar. Consta que nos seus últimos anos, no liceu, impacientava-se com os desafinados, dispensando-os, ao menor deslize, das suas lições de canto coral.

Para além da sua longa carreira como dirigente da banda e professor, escreveu sobre a música popular cabo-verdiana. Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação traz, em março de 1955, um texto do seu diretor, Bento Levy, em que este afirma que o boletim do Centro de Cultura, na altura em vias de ser criado (o que não chegou a acontecer), tinha na lista de temas do primeiro número dois textos de José Alves dos Reis: “Cantigas dos contos populares” e “Comentário sobre a morna popular”.

Pode-se supor que este último seja o texto que aparece, 30 anos depois, na revista Raízes, com o título “Subsídios para o estudo da morna”, embora incompleto, já que nesse longo intervalo uma parte acabou por ser extraviada. O texto comenta aspetos técnicos de várias mornas e é revelador da seriedade do autor face ao seu tema de estudo, indicando os autores com um “talvez”, quando tem dúvida da correção da informação. O texto acabou por ser publicado nos anos 1990, pelo jornal Artiletra.

A Casa da Música, “quartel-general” da Banda Municipal de São Vicente, ostenta numa parede da sala principal uma grande tela com o retrato do regente, seu patrono, e em 1992 o local onde morou durante muitos anos foi batizado como Largo Alves Reis. O regente e professor e o também professor Padre Simões eram compadres, já que este último era padrinho de uma das filhas de Nho Reis. Outra personagem musical ligada a Nho Reis é o vocalista do grupo português Santos e Pecadores, Olavo Bilac, que é seu neto e cujo apelido é justamente Alves dos Reis.

Nho Reis no destaque, com os seus pupilos da Banda do Liceu Infante Dom Henrique, 1933. Foto cedida por Eduardo Cleófas Lima

Agradecimentos a Ivone Gomes Lopes da Silva, Francisco V. Sequeira e Eduardo Cleófas Lima pelo apoio à elaboração deste conteúdo.

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