Tututa

Por GN em

Tututa em 1958. Foto cedida por Lourdes Pereira

Epifânia de Freitas Silva Ramos Évora

Mindelo, SV, 1919 – Espargos, SL, 2014

Instrumentista (piano), compositora

Tututa aparece na história da música de Cabo Verde na contracorrente de várias tendências e padrões de género vigentes para a sua geração: é instrumentista, coisa rara entre as cabo-verdianas, a quem esteve sempre reservado apenas o canto; é compositora, papel que só na geração das suas netas deixou de ser extraordinário entre as mulheres; e apresentou-se em lugares públicos desde a sua juventude, algo também pouco habitual para as jovens na medade do século XX. Além disso tudo, não é autodidata – vivendo numa casa com pai e irmãos músicos, estudou piano desde os 14 anos, com Nho Reis, tendo portanto formação teórica e contacto com a música erudita, o que também é raro entre artistas cabo-verdianos.  

Filha do compositor Antôn Tchitche e irmã de Tchufe, o nome de Tututa começa a aparecer na imprensa cabo-verdiana bem cedo, mas a princípio ainda não devido aos seus dotes musicais, mas sim integrada em espetáculos teatrais. A primeira vez, tinha ela 12 anos e está numa nota do jornal Notícias de Cabo Verde  (25.12.1931). O mesmo jornal em outras ocasiões ao longo dos anos 1930 refere o seu nome a participar de récitas estudantis. Mais tarde, atuou no Grémio, no Café Royal e outros espaços com música ao vivo na cidade do Mindelo, mas isso só depois da morte do pai, pois este não permitia que a filha tocasse fora do contexto doméstico e dos saraus familiares entre amigos.

Palmas… Toco para ouvir palmas!

Tututa, numa frase que resumia a sua dedicação ao piano

Em 1953, já casada, Tututa transfere-se para a ilha do Sal, onde irá viver por cerca de 50 anos. Nos primeiros tempos, praticamente não toca, já que os afazeres domésticos – teve trigémeos e gémeos – a desviavam da música. Mas isso não impediu que, em 1969, viajasse para Portugal, onde gravou, com Taninho ao violão, o LP Rapsódia, produzido por Bana e lançado nos EUA, onde a dupla atuou para a comunidade cabo-verdiana. Trinta anos depois, este álbum é reeditado em CD em Portugal, com o acréscimo de alguns temas gravados na altura por Fátima Alfama (Ima Costa).

Foi ao Conjunto de Cabo Verde, num dos seus EP gravados em 1962, que coube a primeira gravação de um tema da autoria de Tututa: “Reza pa mi nha cretcheu”, cujo verdadeiro título é “Sentimento” (só em 2009 a gravação de Cesária Évora trará esse título). Esta morna, que ela compôs em 1947 para o futuro marido, recebeu uma segunda letra, criada por Mário Macedo Barbosa, a que ele deu o título de “Tututa”, segundo esclarecimento das filhas da artista (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Esta composição será gravada várias vezes, nos anos que se seguem, sempre com o título Reza pa mi nha cretcheu” e muitas vezes incluindo as duas letras, uma a seguir à outra.

Outros temas seus são gravados, desde a década de 1960, por diferentes intérpretes, alguns em versões instrumentais, por Humbertona, Bau e Nho Nani. Magda Évora, filha de Tututa, grava dois temas da mãe no seu álbum Amor Infinito (2000). A gravação de “Grito de dor” por Humbertona e Piúna, de 1972, está na compilação Cap Vert: Anthologie 1959-1992, na qual Tututa aparece como intérprete com “Nutridinha,” koladera de Ti Goy extraída do LP Rapsódia.

Na ilha do Sal, onde viveu até perto dos 90 anos, a pianista foi homenageada pelo Município com o seu nome atribuído à Escola Municipal de Arte Tututa. Depois de ficar viúva, transferiu-se para a Praia, em 2007, onde pontualmente atuava com toda a vivacidade do seu toque, que a idade não conseguiu afetar.

Em 2013 sai o documentário biográfico Dona Tututa, do realizador português João Alves da Veiga. Em 2019, Loudes Pereira (MiIu)  lança um livro com as recolhas que efetuou e organizou com as partituras, elaboradas por Humberto Ramos, e letras de 18 composições da mãe.

Composições

Reza pa mi nha cretcheu; Grito de dor; Julgamento de mãe; Amigo certo; Vida torturod; Coraçon maguode.

Discografia

  • Rapsódia Tututa e Taninho, VCV, Lisboa, 1969. Em CD, Tututa & Taninho, Dargil, Lisboa, 1998.
  • Cap Vert: Anthologie 1959-1992, 1994 – esta compilação traz duas composições de Tututa: a koladera “Nutridinha”, gravada por ela própria com Taninho, e “Grito de dor”, gravação de Humbertona.

Para saber mais

Teaser do documentário “Dona Tututa”, de João Alves da Veiga, 2103

Tututa. Composições. Recolha e organização de Lourdes Pereira. Praia, Soca, 2019.

Veja também: Reportagem de Chissana Magalhães no Expresso das Ilhas por ocasião dos 90 anos de Tututa (2019)


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