Tito Paris

Por GN em

Tito Paris. Foto: Marlene Nobre

Aristides José Paris

Mindelo, São Vicente, 1963

Cantor, compositor, multiinstrumentista

Tito Paris nasceu numa família em que quase todos os irmãos, o pai e os avós tocavam instrumentos musicais. Foi com uma irmã mais velha que teve as primeiras noções do violão. Aos 10 anos já tocava baixo, e por essa época integrou com outros rapazes o grupo Seis Jovens Unidos. Por volta dos 17 anos, participou no grupo Gaiatos. Já na adolescência a sua vida era música o tempo todo, e até a escola já tinha deixado (veio a concluir a quarta classe em Portugal). “Tocávamos em bares, e utilizavam-me como chamariz, pois eu era muito pequenino e quando pegava o violão a tocar as pessoas ficavam admiradas… Pagavam-me 200 escudos por noite” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Desse período, o músico guardou referências que foram importantes na sua carreira, como o Cabosamba, que foi para ele “uma escola”, pelo contacto com Valdemar Lopes da Silva, Chico Serra e Luís Morais. Este último em especial, por ter sido um mestre e pelo apoio dado na altura em que Tito transferiu-se para Portugal.

Aos 19 anos, desembarcou em Lisboa, a convite de Bana, para integrar o Voz de Cabo Verde. Mal chegado, a primeira surpresa: era de um baterista que precisavam, e ele nunca tinha tocado esse instrumento. “Paulino Vieira, que é uma pessoa tolerante, que gosta de ensinar, ensinou-me algumas coisas e assim tive, digamos, a ousadia de acompanhar o grupo durante um ano, como baterista”, recorda o músico em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens. Foi um mal-entendido que gerou tal situação, pois a carta que recebeu no Mindelo era na verdade destinada ao seu irmão Toy Paris, que passado algum tempo também mudou-se para Portugal. Tito, por sua vez, durante uma tournée na Holanda, a acompanhar Bana, acabou por ocupar o lugar do baixista Bebeth, que decidiu nessa época deixar o grupo.  

E Tito vai também deixar o Voz de Cabo Verde ao fim de algum tempo. Acompanhou vários artistas, entre os quais o próprio Bana, Paulino Vieira… Este último, certa vez em Roterdão, pôs Tito a cantar “à força”: “Estava ali a tocar baixo, ele disse-me: ‘Canta’. Mas como é que eu vou cantar, se eu nunca cantei? Ele: ‘Canta’. Estava a tremer. Cantei metade de uma música, que era o “Alô alô Cabo Verde”, e tive um ataque de riso. Paulino disse: ‘Então, há bocadinho estavas zangado porque te mandei cantar, agora porque é que estás a rir?’”. A partir desse dia, cantava vez por outra. Quando foi trabalhar com Dany Silva, como guitarrista solo, a certa altura do concerto o artista dizia: “Tito Paris, além de ser guitarrista, canta”. E começavam a música, estavam combinados e Tito não sabia. “Quando Dany tinha o Clave di Nós, costumava chegar mais tarde que era para eu ter que começar”, conta o músico. Um dia, Dany disse-lhe: “Já está bom de tu teres o teu grupo e começar a tua carreira”. Foi em 1986.

Tito cria então uma banda, com outros músicos cabo-verdianos e africanos, atua em casas noturnas como o Ritz Club e o Pilon, incontornáveis pontos de encontro dos amantes da música africana em Lisboa, mais tarde O Baile e, ocupando o mesmo espaço deste último, a partir de meados dos anos 1990, o lendário B.Léza. “Fui eu quem deu esse nome à discoteca B.Léza, e também fiz o esboço do logotipo da casa”, refere o músico, que durante anos tocou nessa casa e nela gravou um dos seus discos ao vivo. O outro, resultou de gravações no Pilon. Dessas casas noturnas que fizeram parte do seu percurso, aquela que foi a primeira, o restaurante-discoteca de Bana, acaba por ter Tito como um dos sócios em finais dos anos 1990 – nesta altura, com a denominação Enclave. Na década seguinte, Tito abrirá a Casa da Morna, restaurante com música ao vivo que vem a ser um ponto de encontro cultural cabo-verdiano na capital portuguesa. E mais tarde com uma congénere no Mindelo.   

“Tocávamos em bares, e utilizavam-me como chamariz, pois eu era muito pequenino e quando pegava o violão a tocar as pessoas ficavam admiradas…”

Tito Paris, sobre o início da sua vida como músico, ainda adolescente

O seu primeiro álbum a solo foi gravado em 1985, um disco instrumental que gravou a tocar todos os instrumentos (guitarra solo e acompanhamento, cavaquinho, piano, percussão e sintetizador) – segundo dados da capa, foi acrescentado o violino, por Martin). Editado por Discos Mindelo em 1989, o LP, com uma rapsódia de mornas e quatro koladeras, vem a ser reeditado em CD pela Sons d’África com o título Fidjo maguado, no mesmo ano do lançamento de Dança ma mi criola.  

Depois desse primeiro disco, a discografia – e a carreira – de Tito Paris como compositor e intérprete começa verdadeiramente com Dança ma mi criola, de 1994, um álbum com composições próprias, dois temas de Toy Vieira e um de Ramiro Mendes, que é o produtor e divide com Tito os arranjos. Um disco dançável da primeira à última música e que transpõe para o CD – mesmo sendo um disco de estúdio – o que era o feeling das noites ao som da banda de Tito nesses primeiros anos da década de 1990 em Lisboa. Seguem-se Graça di tchega (1997) e Ao vivo no B.Léza (1998). Ao vivo 27.07.1990 (gravado na discoteca Pilon, em Alcântara, na data que o título indica) sai em 1999 e mostra os primeiros tempos de Tito como cantor. Um novo álbum de estúdio, Guilhermina, vemem 2002; e a seguir sai Acústico, gravado em 2004 na Aula Magna da Universidade de Lisboa e que teve duas edições, uma dita “africana”, outra “europeia”.

Apostando na morna e na koladera para traçar o seu repertório, com incursões pontuais pelo funaná, Tito firma-se com um estilo que, embora sem concessões ao pop, está longe por outro lado de cingir-se à tradição nos arranjos e na interpretação. O resultado de “tocar a música cabo-verdiana mas à minha maneira”, como define, sem mais elucubrações, é um som muito próprio, para o que contribui a voz pequena e rouca e o canto simples, sem floreios ou outra pretensão que a de passar a sua mensagem.

Como compositor, Tito Paris é lançado por Cesária Évora, no seu primeiro LP, de 1987: “Regresso”, primeira composição de Tito, feita em 1983, tem aí a sua primeira gravação, sendo mais tarde regravada pela própria Cesária e também pelo autor. A partir daí, Tito aparece tanto em discos de cantores – Bana, Fantcha, Ana Firmino, Nancy Vieira, entre outros – como em álbuns de música instrumental, tendo sido gravado por, por exemplo, Luís Morais, Bau e Paulino Vieira.  

Ao longo da sua carreira, Tito Paris interage com vários artistas portugueses. Dois duetos seus com Paulo de Carvalho no álbum deste intitulado Música d’alma, de 1993, antecedem Dança ma mi criola. Aliás, com duas músicas que irão constar deste disco: “Curti bo life” e “Nha pretinha”, esta última, com a participação do artista português novamente. Outros exemplos são Vitorino (“Joana Rosa”) e Fernando Girão (em “Preto e mi”), em Graça di tchega. Ainda neste álbum, há a participação, em dois temas (“Um tem graça d’tchega e Kantador”) do violonista Pedro Joia, que aparecerá novamente no Ao vivo no B.Léza (“Sodade” e “Um tem graça d’tchega”). Este disco traz ainda a participação de Rui Veloso à guitarra elétrica (“Mãe querida” e “Curti bo life”).

Refira-se, como curiosidade, a presença de Tito Paris nos media. Numa época em que a publicidade era ainda uma atividade incipiente em Cabo Verde, aparece a cantar o jingle dos cigarros Smart, em 1999, sendo possivelmente um dos primeiros artistas a associar a sua imagem a um produto comercial em Cabo Verde. Mais tarde, será a cara de uma das campanhas da Cabo Verde Telecom. Em 2012, quando comemora com um grande concerto em Lisboa os seus 30 anos de carreira, é editada a sua fotobiografia, intitulada Tito Paris – Alma de artista. Na mesma altura, recebe da Câmara Municipal de Lisboa a medalha municipal de mérito de grau prata e o governo cabo-verdiano condecora-o com o primeiro grau da medalha de mérito cultural.

Discografia

  • Tito Paris, LP, Discos Mindelo, Lisboa, 1989. Em CD, Sons d’África, 1994, com o título Fidjo maguado.
  • Dança ma mi criola, CD, MB Records, Brockton, 1994.
  • Graça di tchega, CD, Lusafrica, Paris, 1997.
  • Ao vivo no B.Léza, CD duplo, Lusafrica, Paris, 1998.
  • Ao vivo 27.07.1990, CD, MBR, Brockton, 1999.
  • Guilhermina, CD, Universal, Lisboa, 2002.
  • Acústico Aula Magna, CD, MB Records, Brockton, 2005
  • Acústico, World Connection/Four Quarters, Amesterdão, 2005 (ed. africana), 2007 (ed. europeia).
  • Mi ê bô, CD, Ruela Music, 2017.
  • Participação no CD coletivo Todos diferentes todos iguais, 1996, com o tema “Curti bo life”.
  • Participação na compilação O espírito de Cabo Verde, 1998, com o tema Preto e mi” (do álbum Graça di tchega).
  • Participação na compilação Putumayo islands, 1997, com Dança ma mi criola”.
  • Participação no CD Rui Veloso e amigos, 2012, no tema“Primeiro beijo”.

Composições

Bo Que Nha Amor; Boa Viagem; Chico Malandro; Contam Bo Amor; Curti Bo Láife; Day Amor; Dês Dês; Era um Sonho; Estrela Linda; Guilhermina; Kantador; Mãe Querida; Mar di Ilheu; Na Caminho de Sandomingos; Nha rei; Nina; Ó Pretinha; Pescador; Preto é Mi; Rainha Estrela; Regresso; Sono di Um Cantor; Um Gostá di Bô; Um Paixão; Um Tem Graça de Tchega; Vitor.       


Para saber mais

Tito Paris – Alma de artista, de Nuno Augusto, Fresco Produções, Lisboa, 2012.


Ver e ouvir

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