Banda Municipal de S. Vicente

Por D O em

Banda filarmónica, 1948

É a partir de 1948 que a Banda Municipal de S. Vicente começa a existir ininterruptamente até o presente, depois de várias fases de altos e baixos, com períodos de decadência, chegando à extinção, alternando com momentos de renovação. Em Dezembro de 1934, um artigo no jornal O Eco de Cabo Verde (22.12.1934) assinado por Lela Leite dá conta, entre os problemas do desemprego e fome que então se viviam, que S. Vicente se encontra num silêncio desesperador: “Há muito tempo que não ouvimos música! Porque acabar com este lenitivo do povo que aos domingos se reunia na praça para se esquecer do quadro pungente que tem em casa?”, clama o autor, reivindicando: “Reduzam despesas, reduzam ordenados, aumentem impostos, mas não acabem com a música!…”.

Em 1948 a banda encontra-se novamente em crise. “As cálidas noites deste princípio de Verão fazem-nos lembrar os bons concertos pela Banda de Música Municipal a que em tempos passados assistimos…”, lê-se no Notícias de Cabo Verde (28.08.1948). “Já não temos disso – o que significa que vamos fazendo progressos de caranguejo. A banda foi-se desorganizando, aos poucos, até passar à categoria de charanga, e, por fim, nem charanguinha nem nada”.

É Manuel Clarinete (Cabo Verde & a Música Dicionário de Personagens), que nessa altura andava pelos 14 anos, que conta o que se passou: “Os músicos tinham uma gratificação de 90 escudos por mês, os de primeira classe. Na época não era pouco. A Câmara exigiu que, para além dos domingos, passassem a tocar às quintas-feiras, então eles quiseram receber mais. A Câmara disse que sim, disse que não, depois chamou o Sr. Reis [o regente] para dar o seu parecer. Ele disse que a Câmara não tinha de pagar mais, que eles deviam tocar duas vezes pelo mesmo valor”. Mas os músicos não aceitaram e o regente teve de começar do zero uma banda com aprendizes que então recrutou. Entre eles estavam o próprio Manuel Clarinete, Morgadinho, Manuel Tidjena, entre outros. “Em Abril de 1950 demos o primeiro concerto, no dia da Páscoa”, contou o clarinetista.

Entre personagens da Banda Municipal de São Vicente refira-se ainda António Santiago, discípulo de Nho Reis, que foi regente, num período anterior a esse grupo que inclui Morgadinho e Manuel Clarinete.

Além destes personagens já citados, outros nomes que passaram pela Banda Municipal de S. Vicente – como PitrinhaJotamonte e Luís Morais, que foram seus regentes – destacaram-se na música cabo-verdiana, como compositores e/ou na gravação de discos. É o caso, por exemplo, de Morgadinho e Luís Rendall. Noutra geração, Nhela Sax e os irmãos Nhela Santos e Adriano Santos. Mas aquele que ficou associado à história da banda como um ícone foi o Sr. Reis: a Casa da Música do Mindelo, “quartel-general” da Banda Municipal, ostenta numa parede da sua sala principal uma grande tela com o retrato do regente, seu patrono, e em 1992 a designação Largo Alves Reis passou a assinalar o local onde Nho Reis morou.

Depois da saída de Luís Morais, o trompetista António Cristiano, mais conhecido como “Catoco” assumiu a regência, durante alguns anos. Por divergências com a Câmara Municipal, deixou a banda e abriu a sua própria escola de música. A maior parte dos músicos atuais, incluído o regente, estudou com ele. A partir de 2004, António Brito “Tony”, Eduardo Monteiro “Du” e Agnelo Spencer Lima “Pomba” assumiram a liderança da Banda Municipal de São Vicente. Hoje estes músicos já não fazem parte dela. Tony Brito, que permaneceu na Banda Municipal durante cerca de 50 anos, deixou-a em 2008; Pomba e Du faleceram.

Como antecedentes da Banda Municipal, refira-se que existiram na ilha de S. Vicente várias entidades ligadas à música desde finais do século XIX. A Sociedade Recreativa Fraternidade (que em 1888 surge tendo entre os objetivos o de formar uma banda de música) e a Filarmónica de Artistas Mindelenses (que em 1889 propunha aulas de música e tocar numa das praças da cidade, mas que só durou cerca de três anos) são apontadas pela obra A Imprensa Cabo-Verdiana 1820-1975 (João Nobre de Oliveira, 1998). Mas já em 1880 o administrador do concelho de S. Vicente, Joaquim Vieira Botelho da Costa, revela, num dos seus relatórios anuais sobre ilha ao governo central, a existência no Mindelo de uma “filarmónica de música marcial”, formada pelos alunos da escola municipal (Raízes, dez. 1980). 

Músicos da Banda Municipal de São Vicente e outros, no funeral de Baltasar Lopes da Silva, 1989. Foto cedida por Domingos Moreira
Banda Municipal de São Vicente no festival da Baía das Gatas. Foto cedida por Domingos Moreira

Para saber mais

Notícias que Fazem a História. A Música de Cabo Verde pela Imprensa ao Longo do Século XX. Gláucia Nogueira (ed. da autora, Praia, 2007). 


Ouvir

Agradecimentos a Domingos Moreira pelo apoio, com informações e imagens, na produção desta página.

error: Content is protected !!