Voz de Cabo Verde (II)      

Por D O em

Voz de Cabo Verde, foto da capa do LP La Colosa

Grupo, 1972-1985

“Então o Bana disse: ‘Não vamos acabar, vamos retomar o conjunto’. Na altura, Bana estava com dinheiro, então começou a arranjar um outro Voz de Cabo Verde”, diz Luís Morais (Cabo Verde e a Música – Dicionário de Personagens). Luís Morais e Frank Cavaquinho eram os remanescentes da antiga formação. Com várias mudanças, este Voz de Cabo Verde criado em Lisboa, vai durar até meados da década de 1980.

Em fevereiro de 1972, quando o grupo acompanhou Bana no encerramento do concurso Miss Cabo Verde, no Cine-Teatro da Praia (O Arquipélago, 17.02.1972), outros dois cantores estava no palco: Jorge Sousa e Tony Óscar (este também no órgão). Além de Luís Morais, os outros membros do grupo eram: Joãozinho Morais, na guitarra; Piúna, no baixo; e Frank Cavaquinho, na bateria. “O conjunto vai seguir dentro de dias para a Guiné, onde a convite da UDIB [União Desportiva Internacional de Bissau] atuará numa série de espetáculos, depois do que seguirá numa digressão por São Tomé, Angola e Moçambique”, refere O Arquipélago (24.02.1972).

tournée por essas então colónias portuguesas é acompanhada pelo periódico cabo-verdiano: Sob o título “Bana e Voz de Cabo Verde deram show no Império” (O Arquipélago, 25.05.1972) reproduz-se texto do jornal A Voz de São Tomé revelando que o espetáculo, que “empolgou a assistência”, contou com a presença do governador, do presidente da Câmara Municipal, das chefias militares e outros VIP locais. “Ao ouvir o conjunto Voz de Cabo Verde, o espectador empreende uma longa viagem pelas Américas, Europa e África. E à medida que muda de continente vai saboreando, ora ritmos quentes, ora a saudade da terra distante, saudade que é trazida ao espectador na voz cálida desse extraordinário artista que é Bana…”

Deste Voz de Cabo Verde somente restam dois componentes do outro que há anos nos visitou. Trata-se do chefe do agrupamento, Luís Morais, e do bateria. Claro que não é facilmente que se substitui um clarim como Morgadinho, nem um vocalista como Djosinha, mas a verdade é que, mesmo assim, o conjunto agradou em pleno, não só na interpretação da música do arquipélago como na do repertório internacional”

Diário de Luanda, sobre a nova formação do Voz de Cabo Verde, em 1972

Cerca de um mês depois, é de Angola que vêm notícias do grupo. “Êxito absoluto de Bana e da Voz de Cabo Verde em Luanda”, é o título do texto (O Arquipélago, 22.06.1972) que reproduz um artigo do Diário de Luanda, em que se comenta ainda que “com exceção dos dois ‘sobreviventes’ do antigo agrupamento, a que já nos referimos, todos os restantes são bastante jovens”.

Em novembro desse mesmo ano de 1972, o grupo estará novamente em São Vicente a caminho da Guiné, “onde atuarão em Bissau e outras localidades daquela província, num desfiar da alegria da música desta terra e da música pop tão querida da juventude” (O Arquipélago, 30.11.1972). Ao longo do ano de 1973, as informações, sempre através d’O Arquipélago, revelam a presença do grupo na inauguração de um bar no Porto Novo (01.02.1973); no baile de Carnaval no Parque Miramar, enquanto Os Caites tocam no Eden Park (15.02.1973); e, no fim do ano, na festa de Natal no Comando Naval, em que participou também o grupo Os Alegres (27.12.1973).

Em março de 1974 são enumerados novos elementos que entretanto entraram: Paulino Vieira, “o mágico do órgão e cantor pop e soul”, Armando Tito, “o solista internacional que veio com o conjunto de Lisboa” e Cabanga, “atualmente o melhor baterista local”. Da formação anterior, ficou o guitarrista Joãozinho (desde 1972), além de Luís Morais e Bana. Ainda nesse ano, vão entrar dois novos elementos, Leonel Almeida (voz) e Bebeth (baixo). 

“Houve quase que um ‘susto universal’ pela sorte do Voz de Cabo Verde”, escreve o jornal, “mas Luís Morais sabia que o conjunto não podia desaparecer. O nome estava firmado em todos os ambientes, havia uma responsabilidade quanto mais não fosse moral a cumprir. E assim, juntamente com Bana, ei-los trazendo Voz de Cabo Verde ao elevado nível do passado. As suas atuações em São Vicente têm-no provado. Agora pelo Carnaval foi um delírio. Onde estivesse era casa cheia pela certa” (O Arquipélago, 07.03.1974).

No período entre 1972 e 1974, não sai nenhum disco em nome de Voz de Cabo Verde. Mas saem 12 de Luís Morais, sete dos quais pela Morabeza Records, resultantes de gravações da fase antiga, e cinco gravados já em Lisboa. Bana, por seu lado, lança três nesse período, sempre com o acompanhamento do Voz de Cabo Verde, embora nem sempre este facto seja mencionado nas capas. É só a partir de 1974, que começam a sair LP em nome deste Voz de Cabo Verde lisboeta.

Embora Luís Morais afirme que a partir da independência fixou-se em Cabo Verde, a sua presença – a tocar, compor e nos arranjos – é constante nos discos do Voz de Cabo Verde nesses anos. Agora, contudo, tem com quem partilhar as tarefas de direção musical, e terá tido isso em mente ao convidar Paulino Vieira para integrar o grupo. Este assume os teclados e ao longo do tempo irá tocar diferentes instrumentos, já que domina todos. Nessa altura, integram o grupo: Armando Tito (guitarra solo), John (guitarra ritmo), Bebeth (baixo) e Cabanga (bateria), que irão permanecer até o fim.

Encontrarei o amor (1974) – disco eclético com repertório que vai de Luís Morais a James Brown, passando por Roberto Carlos e muitas cumbias – é o primeiro LP deste Voz de Cabo Verde lisboeta e Paulino, além de tocar, aparece como cantor e compositor. A música que dá título ao álbum é da sua autoria, com letra em português. Leonel ainda não entrou – irá chegar no final de 1974. Junto com Bana, Paulino canta também em Mascrinha, outro disco de 1974, na linha do pop da altura, em que interpretam temas dançantes e músicas românticas latino-americanas e brasileiras. Temas deste disco darão origem a dois singles, um em nome do grupo e outro editado como o título Bana e Paulino.

Paulino Vieira, Toy Vieira e Tito Paris, época final do Voz de Cabo Verde lisboeta, início da década de 1980. Fonte: Facebook

De modo geral, serão todos discos de repertório variado, com temas dançantes ou românticos, cantados em inglês, português, cabo-verdiano, espanhol e mesmo francês, havendo ainda incursões pela música da Guiné-Bissau e de Angola. Na altura da independência de Cabo Verde, aparecem músicas de intervenção, muito em voga naquele momento, com títulos que remetem a Amílcar Cabral, à liberdade recém-conquistada e à luta de libertação – curiosamente, em 1979, já passada a euforia inicial da independência, esses temas ainda estavam presentes. Ficavam habitualmente a cargo de Leonel Almeida, bem como as músicas latino-americanas, já que Bana interpretava como ninguém as músicas cabo-verdianas e Paulino outros géneros. “Então optei por um ritmo que tinha a ver com o Voz de Cabo Verde antigo – as cumbias e pachangas” refere Leonel Almeida (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). A discografia do grupo é abundante, e há vários discos que foram lançados num mesmo ano (ainda que as capas possam nada revelar sobre isso). “Às vezes gravávamos três discos num mês”, refere o vocalista.

Além dos nove LP editados em nome de Voz de Cabo Verde, há pelo menos dez álbuns de Luís Morais no período 1975-1985 e outros dez de Bana no mesmo período e com o mesmo acompanhamento. Por volta de 1980, o trompetista Manuel Tidjena colabora em algumas dessas gravações, como revelam as capas dos discos. A partir de certa altura, Zé António ingressa no grupo, que ao encaminhar-se para a sua fase final recebe em 1982 novos músicos recrutados em São Vicente: Toy Vieira e Tito Paris, num primeiro momento, em substituição de Cabanga e Bebeth, e a seguir Toy Paris. Estiveram pouco tempo. Tito sai ainda antes do final.

Este Voz de Cabo Verde, como o anterior, tem como características o repertório e a formação instrumental vocacionados para tocar em bailes – pertencem, aliás, à época imediatamente anterior ao fenómeno disco, em que os bailes com instrumentos elétricos eram talvez a principal forma de entretenimento. Em Portugal, outros grupos cabo-verdianos faziam carreira ao mesmo tempo, com destaque para Os ApolosTulipa Negra e África Star. Para além dos discos em nome próprio, serviram também como banda de suporte para gravações de outros artistas, incluindo-se aqui não só Bana e Luís Morais, responsáveis pela existência da formação, mas também, entre outros, TitinaJovino dos SantosNho BaltaLongino, Chiquinho Nhinha, Sérgio Gomes e José Casimiro. Note-se, nesse sentido, a semelhança com Splash! e Cabo Verde Show (II), também estes com vários vocalistas, alguns dos quais com trabalhos a solo, constituindo o grupo uma espécie de plataforma adaptável a diferentes tipos de trabalho. Para alguns dos que estiveram ligados ao grupo, foi uma fase; para outros, um pontapé de saída de carreiras profissionais que vieram a se consolidar.

Voz de Cabo Verde na década de 1980. Foto da contracapa do EP Naufrágio

Em 1982, um concerto na cidade da Praia deu origem a um disco que levou o título de Reencontro, o qual, embora não referindo na capa a designação Voz de Cabo Verde, reunia membros da primeira formação e da que se encontrava então a atuar: Bana (voz), Luís Morais (clarinete; sax; arranjos), Morgadinho (voz; trompete), Djosinha (voz), Chico Serra (piano), Paulino Vieira (voz; bateria; órgão; solina; guitarra solo; coros; percussão; arranjos), Bebeth (baixo), Leonel (coros) e Zé António (guitarra).

Discografia

  • Encontrarei o amor, LP, VCV, Lisboa, 1974.
  • Mascrinha, LP, VCV, Lisboa, 1974.
  • Amor por ti/Merengue rebitasingle, VCV, Lisboa, 1974. Solos: Paulino (voz), Luís Morais (clarinete).
  • Viva liberdade, LP, VCV, Lisboa, [1975]. 
  • Conjunto Voz de Cabo Verde e Luís Morais, LP, VCV, Lisboa, 1975.
  • Independência, LP, VCV, Lisboa, 1975.
  • Recuerdo, LP, VCV, Lisboa, 1977.
  • Muangole, LP, VCV, Lisboa, 1979.
  • La Colosa, LP, VCV, Lisboa, 1980.
  • Saragarça, LP, VCV, Lisboa, 1980.
  • Naufrágio/Sou atrevidosingle, VCV, Lisboa, 1982.
  • Reencontro, LP, DMC, Lisboa, 1982. Reeditado em CD, por Zé Orlando/Sons D’África.

Ouvir

Colaborou na pesquisa: Francisco V. Sequeira

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